Em seu centenário, Paulo Freire é mais necessário do que nunca

A nova edição especial do Jornal da Ciência é dedicada à educação e ao legado deste que foi um dos educadores mais famosos e respeitados mundialmente.


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No centenário do patrono da educação brasileira, suas ideias continuam atuais e urgentes diante de uma democracia em risco

Por Luiz Prado

Jornal da USP 

Paulo Freire, o patrono da educação brasileira, completaria 100 anos no dia 19 de setembro. Tendo desencarnado em 1997, poucas semanas antes de receber o título de Doutor Honoris Causa de Fidel Castro, então líder máximo de Cuba, suas ideias, ainda hoje, permanecem vivas e vicejantes.

Estudado e respeitado ao redor do mundo – seus livros instigam educadores desde o gelo finlandês até o pós-colonialismo dos países africanos – no Brasil o interesse por sua obra cresce acompanhando o ódio obscurantista que lhe é dirigido pelos setores reacionários e golpistas que se escondem atrás de lemas pseudo-patrióticos.

Para homenagear o centenário do educador, a Faculdade de Educação da USP organizou o seminário internacional “Ano 100 com Paulo Freire: tempos, espaços, memórias, discursos e práticas”, que aconteceram entre os dias 7 e 10 de setembro.

Nascido em Recife, no estado de Pernambuco, em 1921, Paulo Freire foi o caçula de um pai capitão da Polícia Militar e de uma mãe dona de casa. Formou-se na Faculdade de Direito do Recife, mas se dedicou mesmo à educação.

Atuou como professor e diretor do Departamento de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria (Sesi) de Pernambuco. Essas experiências antecederam o famoso projeto de Angicos, realizado em 1963 no Rio Grande do Norte, com financiamento estadunidense, no qual Freire coordenou uma equipe que alfabetizou cerca de 300 pessoas em um curso de 40 horas. A iniciativa formou leitores, criou eleitores e ensinou aos trabalhadores seus direitos.

O sucesso de Angicos faria com que o presidente João Goulart adotasse o método de Paulo Freire na criação do Programa Nacional de Alfabetização, que previa a instalação de 20 mil círculos de cultura pelo país. O projeto não veria sua materialidade, entretanto, pois o golpe civil-militar de primeiro de abril de 1964 marcaria sua extinção. Ao mesmo tempo, os militares no Planalto Central representariam para Freire a prisão e o exílio.

Com a ditadura no Brasil, o educador se exila respectivamente no Chile, nos Estados Unidos e na Suíça. No país sul-americano, trabalha na educação de camponeses e escreve, em 1967, seu primeiro livro, Educação como prática da liberdade.

No ano seguinte, redige então sua obra mais famosa, Pedagogia do oprimido. Em 1969 desembarca nos EUA, onde é convidado para lecionar em Harvard. Um ano depois, Pedagogia do oprimido é publicado em inglês e espanhol. Sina dos tempos de então, a versão em português só chegaria aqui em 1974.

Ainda em 1970, Paulo Freire se muda para Genebra, atuando como consultor educacional do Conselho Mundial de Igrejas. No ano seguinte funda o Instituto de Ação Cultural (Idac), por meio do qual realizaria ações em diversos países, incluindo programas de alfabetização e descolonização nas recém-libertas colônias portuguesas na África, como Guiné-Bissau, Cabo Verde e Angola.

É com a agridoce anistia ampla, geral e irrestrita que o educador volta em 1980 para o Brasil, passando a lecionar na Unicamp e na PUC de São Paulo. Participa da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e é na gestão de Luiza Erundina como prefeita de São Paulo que se torna secretário de Educação do município, em 1989.

Ficaria encantado, nas palavras de Guimarães Rosa, em 2 de maio de 1997, aos 75 anos. Em 2012, por iniciativa da própria Erundina, então deputada federal, seria declarado patrono da educação brasileira.

Educação como processo

Na visão de Paulo Freire, a educação é um processo que não se esgota. Seu pressuposto é que homens e mulheres são seres inconclusos, ansiosos por saber cada vez mais à medida que tomam consciência. Esse processo é chamado por Freire de ser mais, uma dinâmica na qual são exigidas curiosidade, pesquisa e investigação.

Para que homens e mulheres caminhem na direção de ser mais, o primeiro movimento é a leitura do mundo. Só depois disso é que se passa à leitura das palavras. O que isso significa na prática? “Significa que Paulo Freire está nos avisando que a leitura do mundo não é tão simples.

“Saber, hoje, o que é o Brasil e o que é ser um brasileiro implica um processo de conscientização para se enxergar o que é real”, comenta Lisete Arelaro, professora emérita da Faculdade de Educação (FE) da USP e uma das participantes do seminário internacional “Ano 100 com Paulo Freire: tempos, espaços, memórias, discursos e práticas”, que aconteceu entre os dias 7 e 10 de setembro.

Lisete exemplifica comentando a questão da desigualdade social. “O conhecimento de sermos um país dos mais desiguais, com consequências no cotidiano de todos nós, na distribuição de renda, de conhecimento, da arte e da cultura, muitas vezes é alheio a pessoas que passaram pela escola. Por isso, Freire fala que o processo de educação é um processo de conscientização. E esse processo pode levar homens e mulheres a querer participar da possível modificação do mundo”, explica a professora.


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