Lei da terceirização pode favorecer nepotismo, aponta presidente da Comissão dos Advogados Trabalhistas da OAB/MS


Midiamax

Fotos: Gerson Walber/Divulgação

A última semana foi dominada pelas discussões acerca da aprovação da PL 4.302/1998, projeto de lei que, se sancionado, flexibiliza a terceirização de trabalhadores, proporcionando a terceirização de atividade-fim, e regulamenta a prestação de serviços temporários. A matéria, que já segue para sanção presidencial, acirrou os ânimos em diversos segmentos da sociedade: de um lado, os que enxergam na legislação uma grande contribuição para o retrocesso e precarização dos direitos trabalhistas. Do outro, aponta-se que o texto poderá trazer segurança jurídica e geração de empregos. Para esclarecer alguns pontos do projeto polêmico, o Jornal Midiamax conversou com o advogado trabalhista e presidente da Comissão dos Advogados Trabalhistas da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Mato Grosso do Sul), Rogério Pereira Spotti, que destaca as principais mudanças proporcionadas pela PL 4.302/1998 e adianta o posicionamento da OAB/MS em relação à polêmica.

JORNAL MIDIAMAX - O PL 4.302/1998 está sendo apontado como um grande retrocesso nos direitos trabalhistas, por autorizar a terceirização das atividades-fim. O que efetivamente muda com a proposta e qual a gravidade dessas mudanças?

ROGÉRIO PEREIRA SPOTTI - O que efetivamente muda com a aprovação do PL 4.302/1998 é a possibilidade da terceirização da atividade-fim de uma empresa, que anteriormente, só era permitida para atividade-meio, bem como regulamenta a prestação de serviços temporários. A lei, se sancionada pelo presidente da República, flexibiliza a terceirização — quando uma empresa contrata trabalhadores por intermédio de uma terceira companhia — e regulamenta a prestação de serviços temporários. A lei permite que todas as atividades que podem ser terceirizadas dentro de uma empresa, incluindo as atividades consideradas essenciais. Com isso, abre a possibilidade irrestrita para a contratação de terceirizados. Numa escola, por exemplo, os professores poderão ser contratados de forma terceirizada. Em um hospital, médicos e enfermeiros também poderão ser terceirizados. Até agora, as contratações eram limitadas a atividades como limpeza e segurança, que são consideradas atividades-meio. Críticos da proposta enxergam na possibilidade de terceirização da atividade-fim uma abertura generalizada que vai precarizar uma modalidade de trabalho já fragilizada. Favoráveis ao texto, no entanto, afirmam que a regulamentação trará segurança jurídica e terá resultados na geração de emprego, razão pela qual o tema ganhou o interesse do Palácio do Planalto.

Um dos argumento apontados na defesa desta legislação é que a CLT engessa investimentos e crescimento de empresas no Brasil. A proposta de uma reforma neste setor, mesmo que com outro texto, era necessária?

Diferentemente do alegado, a CLT não é a causadora do engessamento em investimento e crescimento de empresas no Brasil. Temos que analisar toda a temática de forma mais ampla, menos minimalista. A garantia dos direitos trabalhistas dos trabalhadores conquistada por anos de lutas e discussões não pode ser usada para justificar o fracasso social e político que passa o Brasil. Não se pode culpar a CLT nem a Justiça do Trabalho por desmandos e ingerência governamental. Temos que tomar muito cuidado para não sermos induzidos a pensar de forma egoísta e simplória. O governo tem que levar para a sociedade a ampla discussão e efetivamente falar a verdade. O engessamento do crescimento de empresas no Brasil se dá por uma política tributária totalmente nefasta e gananciosa. O empresariado não tem como única despesa os encargos trabalhistas, e sim toda a sua tributação, que não é pouca para gerenciar. Antes de se culpar as garantias trabalhistas da massa trabalhadora que vende sua mão de obra e gera riquezas para o Brasil, o governo precisa rever a legislação tributária existente, bem como tentar diminuir os gastos públicos que chegam a somas inacreditáveis para um país que se encontra como o nosso. Hoje os contratos de terceirização são regulados apenas por súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que impede o uso na atividade-fim das empresas (aquela para a qual foi criada). A regulamentação da terceirização era necessária, mas não nos moldes aprovados pela Câmara.

O PL poderá afetar o funcionalismo público?

O funcionalismo público que já se encontra nos quadros da Administração Pública ingressos por meio de concurso público não terão nenhuma consequência em suas carreiras. Porém, a PL pode afetar o funcionalismo público pois permite a terceirização no serviço público, ao não prever qualquer tipo de restrição à terceirização no setor público, com exceção de carreiras de Estado, como auditor e juiz.

É possível relacionar que a terceirização pode proporcionar a volta de nepotismo e apadrinhamentos em órgãos públicos, por exemplo?

Da forma que foi aprovação e se for sancionada, a Lei poderá permitir a contratação indiscriminada de terceirizados, aí incluindo parentes, afins, companheiros e esposas, burlando a obrigação da Administração Pública na realização de concursos públicos para seus quadros de pessoal. Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST) já manifestaram entendimento contrário à terceirização indiscriminada no serviço público, assim como o Tribunal da Contas da União (TCU).

Um dos mecanismos previstos na PL são os contratos temporários. De que forma isso afeta os direitos trabalhistas? Poderia, por exemplo, interferir em direitos como licença maternidade?

O projeto de lei aprovado amplia esse prazo para seis meses, prorrogáveis por mais 90 dias. Isso significa que os contratos terão prazo máximo de nove meses, sempre obedecendo os direitos garantidos pela CLT, com pagamento proporcional de férias, décimo terceiro salário e outros. A terceirizadora terá de obedecer a CLT, não tendo qualquer efeito prático quanto aos direitos de licença maternidade, que continuam valendo normalmente para as gestantes.

Estudos apontam que terceirizados ganham entre 60% e 80% do salário dos trabalhadores diretos. É possível estabelecer a relação de que por serem menos remunerados esses trabalhadores teriam menos produtividade?

Diferentemente do alegado, os terceirizados trabalham mais e muitas das vezes ganham menos. A produtividade do trabalhador não está relacionada diretamente com ser ou não terceirizado. O que os estudos demonstram que na terceirização ocorre elevada taxa de rotatividade, sendo que os terceirizados trabalham em média 3 horas a mais que os empregados diretos, além de ficarem em média 2,7 anos no emprego intermediado, enquanto os contratados permanentes ficam em seus postos de trabalho, em média, por 5,8 anos, bem como de oito em cada dez acidentes de trabalho ocorrem com os terceirizados.

De que forma pode-se reverter esta legislação? A magistratura soltou uma nota alegando inconstitucionalidade da lei. A OAB está alinhada com algum posicionamento neste sentido?

Inicialmente com o veto Presidencial. Se não ocorrer, ações diretas de inconstitucionalidade deverão ser ajuizadas. A OAB/MS cumpre o seu compromisso institucional em defesa da sociedade, da liberdade e do Estado Democrático de Direito. A garantia dos direitos sociais, proteção da relação de emprego e valorização do trabalho humano sempre serão fiscalizados e preconizados nas suas atuações institucionais. Tendo em vista a imediatidade na aprovação da Lei, a OAB/MS em consonância com a OAB nacional aguardará para posicionar-se após a sanção ou veto Presidencial.


COMENTÁRIOS