Gestão integrada do SUS reduz gasto e desperdício em 40% em média, diz especialista da Benner


Midiamax

  

 
 

Gestão integrada de saúde. Mais que um conceito empregado em larga escala na rede privada, a gestão e o planejamento da rede de saúde pública, baseados em informação, tecnologia e processos possibilitam ganhos evidentes no uso dos recursos públicos do SUS, otimizando e integrando todo o atendimento a partir de uma plataforma tecnológica.

O resultado não é só de ganho na condição do tratamento dos pacientes do SUS, mas ganho em economia no sistema em torno 40% em média, fato que se traduz em sustentabilidade para a rede SUS de um município, ou um Estado e suas regiões administrativas.

No sistema integrado trafegam informações de procedimentosde todos os módulos de saúde de um município, desde o atendimento mais imediato e preventivo do Programa de Saúde da Família, até os dados mais complexos da média e alta complexidade da rede SUS. A integração permite visibilidade e controle do imenso fluxo de informação que diariamente permeia a vida e as decisões dos gestores públicos da saúde.

Para falar do tema,Midiamax foi a São Paulo ouvir Severino Benner, dono de uma das três maiores provedoras de tecnologia da informação do país, a Benner Solution.

Em seu escritório na Av. Paulista, descontraído e visivelmente empolgado com o tema saúde pública e gestão, Severino Benner traçou um painel dos benefícios que a rede SUS pode ter com a integração dos módulos hospitalares, ambulatoriais, unidades de urgência, pronto atendimento, laboratoriais e de diagnósticos, e aos sistemas criados pelo próprio SUS, como o PSF, SISAIH, SIASUS, SISPRENATAL.

Acompanhe:

Midiamax- Diante do quadro que conhecemos na saúde pública no país, o senhor acha que é possível uma alternativa que ofereça mais gestão e integração dentro do sistema do SUS?

Benner - Com certeza. Uma das dificuldades do sistema de saúde é interligar a cadeia. Quando nós falamos de saúde pública, falamos de vários elementos que contribuem para isso. Temos os laboratórios, os PAM, postos de saúde, temos o hospital que recebe os pacientes de media e alta complexidade, e isso tudo funciona de uma forma independente.

Então, por exemplo, quando tem um paciente no PAM que precisa de internação, eu não consigo visualizar a disponibilidade de leitos, a ordem em que ele poderia ser internado mais rápido, não consigo ter uma boa gestão dos leitos.

A integração permite melhor eficiência e uma visualização de todo o processo. Outra dificuldade é a descentralização, porque não se tem uma visão do todo. E nós não temos uma visão do paciente, por exemplo, com o uso do prontuário eletrônico.

Um exemplo básico do que acontece: eu sou um paciente do SUS que vou numa unidade de um bairro e faço um exame. Quando vou para outra unidade superior, esse exame pode ser visualizado pelo médico, pela via digital. Ou, o contrário: eu fiz um exame numa unidade básica de saúde, mas ao chegar num hospital público, que faz parte da mesma cadeia, automaticamente o hospital pede um novo exame, como o que eu já fiz – e tudo isso é desperdício, não existe uma gestão integrada.

É perda de medicamentos que ficam vencidos, é repetição de exames, e mais o tempo que o paciente percorre repetindo essa rotina, é um tempo que custa dinheiro.

Midiamax: Pelo que o senhor está dizendo é possível integrar o sistema como um todo, da ponta da atenção primária, da Saúde da Família, até a alta complexidade?

Benner: Assim como em outras áreas, a saúde pública depende de três elementos: processos, tecnologia e pessoas. Eu preciso do médico e da estrutura de atendimento. Quando você consegue unir tudo isso, funciona. Não adianta colocar médicos se você não fornecer para eles a tecnologia. É um conjunto de coisas, não existe gestão na saúde sem informação.

Não dá para fazer uma melhor gestão da saúde sem indicadores, se eu não tenho informação do tipo de epidemia que está acontecendo, que tipo de procedimentos, de atendimentos que eu estou fazendo.

Por exemplo, veja o que acontece hoje no Programa de Saúde da Família. Tem um conjunto de informações sobre essa família, que o médico que atende esses pacientes no PAM precisaria ter acesso, mas as informações estão desagregadas, não existem. Se as informações primárias não contribuem, eu tenho um repetição do trabalho, repetição de informações, e aí não dá para fazer gestão. Tem que colocar isso numa mesma plataforma.

E hoje nós estamos falando de web, de nuvem, de sistemas que conectam o mundo, como o Facebook, e a gente não consegue integrar a gestão da saúde de uma prefeitura, não consegue integrar a saúde de cinco ou dez hospitais que o Estado mantém.

A gestão de saúde não é só colocar medicamentos e pessoas. Tem que prover processos e tecnologia. As tecnologias existem, e quando você faz isso, tem um aumento de faturamento. É possível melhorar a arrecadação desses hospitais e desses serviços com mais controle.

Midiamax – Quer dizer que é possível evitar custos desnecessários e otimizar os recursos?

Benner – A Benner fez um trabalho em 15 hospitais de São Paulo que tinham uma média de faturamento muito baixa. A gente foi mapear o processo e entender porque o hospital tinha faturamento baixo, já que havia um excesso de pacientes.

A gente identificou algumas coisas: 30% dos atendimentos feitos não eram corretamente faturados no SUS. O dinheiro se perdia no processo, era um dinheiro que não vinha para o hospital. Depois tinha uma demora, o tempo médio de internação era de sete dias, enquanto a média do mercado é de quatro dias. 

O que acontecia: identificamos que havia uma demora muito grande pra se obter o resultado dos exames e uma demora muito grande para o médico passar lá e dar alta, e esse leito era ocupado por um paciente eu já poderia estar em casa. Depois, nós identificamos uma série de falhas porque o hospital não estava credenciado para certos procedimentos.

Esse trabalho resultou numa média de 90% do faturamento, sem fazer nenhum procedimento incorreto, sem cobrar o que não é devido. Simplesmente, capacitando as pessoas a faturar corretamente, implantando alguns indicadores e alguns controles que facilitaram o trabalho.

Não estou falando nem de redução de custos ou de estoque de medicamento. Estou falando só de desperdício de trabalho – o hospital atendeu a pessoa e não cobrou, ou poderia ter atendido mais rápido, duas pessoas, e atendeu uma.

Isso mostra, claramente, que existe no Brasil inteiro um desperdício em relação à gestão. Se você organizar um processo, você consegue otimizar o faturamento, a receita do hospital, e tem o dinheiro que falta no dia a dia da manutenção.

Então, em seis meses, o aumento de 90% do faturamento daqueles 15 hospitais gerou mais dinheiro para que eles pudessem atender mais gente, aumentou o número de atendimentos e o dinheiro que o SUS paga, se você fizer direito. Então essa é uma mudança cultural que tem que ser feita.

 

Midiamax - Tendo muito ou pouco recurso, otimizar o uso do dinheiro público é uma obrigação...

Benner - Obrigação. A gente tem em média nos projeto em que a gente faz a informatização, você tem uma redução de custo de medicamento de 46%. Você chega a ter no custo dos exames uma redução de 50%. São médias históricas de projetos, onde a gente mede quanto gastava antes, e depois. Se eu consigo economizar 45, 46%, e na média 40% em todos os itens, significa que com o mesmo dinheiro eu posso atender mais pessoas. Ou atender melhor.

Se eu tenho desperdícios dessa monta, eu poderia atender mais gente com os poucos recursos que se tem. Ou melhor, existem recursos sim, o que há é uma má distribuição e a má gestão desses recursos.

Os Estados, hoje, poderiam fazer projetos de saúde integrada, desenhar um projeto, e as prefeituras simplesmente aderirem a essa plataforma. Não precisa cada prefeitura sair desenhando a sua plataforma. As associações de municípios, os consórcios de municípios poderiam fazer aquisições integradas.

Veja bem, uma associação de municípios regional, se ela em conjunto padroniza uma plataforma, o meu prontuário eletrônico, que é um só, poderia ser visto em toda a região. Tem muita gente que mora num município e trabalho em outro.

O Estado poderia ter um único sistema pelo qual disponibiliza a informação. Ao invés de dar dinheiro, que às vezes e mal em pregado, eu disponibilizo para que os municípios se organizem em torno do sistema único.

Assim, no Mato Grosso do Sul, todo mundo poderia estar enxergando todos os indicadores, porque a pessoa que hoje está na atenção básica, amanhã ela chega ao hospital, e eu tenho a ficha dessa pessoa.  

 

Midiamax – E as ferramentas tecnológicas permitem exatamente a integração?

Benner – A ferramenta é assim: eu automatizo todos os processos, a começar pela prefeitura - a atenção básica de saúde. Eu faço um cadastro único, começo a otimizar o Cartão Único do SUS, tenho um cartão de identificação do paciente, como num plano de saúde, organizo um prontuário eletrônico, e as equipes da Saúde da Família que estão em campo registram as informações usando tecnologias móveis para atualizar o sistema.

Depois, tem todos os programas que você tem com o Ministério da Saúde, para que a prefeitura possa receber o dinheiro. Na realidade, as prefeituras deixam de receber mais dinheiro por falta de indicadores, projetos e programas. Se eu elaborar um programa que existe, mas não consigo prestar conta, um dinheiro é retido. Ou seja, não recebo meu repasse, que é baseado na população da cidade, e isso não gera o dinheiro que eu preciso para atender.

Depois, eu tenho todo o gerenciamento dos equipamentos e dos laboratórios.  Então, por exemplo, quando eu vou fazer um exame de laboratório, ele já está integrado, o médico que atendeu no posto já pode visualizar.  Se o paciente tem direito a um medicamento e já retirou, só pode retirar mais depois de trinta dias, e se tem um medicamento vencido numa unidade ou está faltando, eu consigo enxergar isso, o que gera uma agilidade de atendimento.

Hoje, não tem o menor sentido a gente ver todo o dia na televisão, as pessoas na fila do SUS, madrugada na chuva, no frio, para pegar uma senha. Isso é uma vergonha nacional, porque hoje, aqui, 75 milhões de pessoas tem Facebook, temos milhões de computadores na casa das pessoas, uma comunidade carente tem centros de informática, mas aí é preciso se deslocar para pegar uma senha!

Tudo isso é feito hoje pela internet. Eu entro na rede, agendo um consulta no posto A ou B, sem precisar ir até lá. Tudo pode ser feito usando a tecnologia que hoje já está disponível, a um custo muito interessante, se comparado ao passado recente, uns dez anos atrás. O custo caiu, a internet melhorou, então é possível fazer isso, com um bom projeto, uma boa iniciativa, e rapidamente se consegue organizar tudo.

Midiamax – Para exames ou procedimentos de baixa ou alta complexidade, a marcação é feita através de uma central de vagas, às vezes precária, de baixar integração com o sistema. É possível otimizar?

Benner – Hoje o que acontece: quando uma unidade de atenção básica não funciona, porque tem um falta de médicos ou uma desorganização de horários, as pessoas que não conseguem ser atendidas acabam indo para um hospital, no pronto-atendimento. E aí gera aquela confusão na porta do hospital.

 Se eu fizer a triagem, dá para organizar. Essa organização, quando eu integro, eu consigo ver onde tem leito ou não tem. Às vezes, tem uma sobra de leito aqui, uma falta de leito ali, ou excesso de médicos num lugar e falta em outros.

Por que um gestor de saúde não poderia olhar no seu tablet, por exemplo, no seu iPod, no celular, para verificar "poxa, no bairro tal eu estou tendo uma capacidade ociosa de gente". Então, por estes meios, é possível direcionar o atendimento de um bairro para o outro, em tempo real.

Quando a pessoa liga na central, ou faz um agendamento, eu direciono para aquela unidade de atendimento (em condição de atender).

Isso é gestão, e eu consigo evitar que a pessoa vá para o hospital sem necessidade. Se eu atendo bem, é muito mais barato o atendimento na unidade básica. E aí acontece que, se eu deixo o pessoal cair na porta do hospital, eu aumento meu gasto porque no pronto-socorro o custo é cinco ou seis vezes maior. Então é isso que estamos falando.  

Tem que organizar o processo como um todo. Você não pode olhar o hospital separado da atenção básica, nem o laboratório, nem os fornecedores, os parceiros que estão no sistema - os hospitais filantrópicos.  A gestão tem de ser integrada.

 

Não é difícil, porque o SUS tem todas as tabelas de procedimentos e protocolos padronizados. Já é um auxílio muito grande. Informatizar a saúde pública com os protocolos.

 

Midiamax - E na operacionalização desse complexo de saúde: como é possível ter controle de estoques, compras, assiduidade ao trabalho e outros através da informatização?

Benner – O grande problema de um governo é saber o medicamento certo, na hora e lugar certos, porque não se tem uma gestão integrada do estoque. Eu tenho um medicamento vencendo num hospital, ou numa unidade de atendimento, e tenho sobrando em outro lugar.

Tem que integrar, porque não adianta definir uma quantidade para um pregão (forma de licitação) sem estar alinhado com a minha necessidade. Posso estar numa epidemia, uma demanda por um tipo de doença, e posso comprar a necessidade planejada. Se eu tenho numa cidade 10 mil pessoas que estão retirando, gratuitamente, um medicamento de pressão alta, eu posso planejar melhor a compra desse medicamento, com preço menor, do que comprar em cima da hora, pagando mais.

Eu posso colocar as minhas necessidades num portal, e as cotações aparecem e vou comprar rapidamente de quem for mais interessante.

Seria muito fácil, pra mim como secretário de saúde, entrar no sistema e ver o que está acontecendo em cada bairro, a evolução das epidemias, o gráfico que aumentou de determinada doença – existem ferramentas para isso.

Eu coleto os dados e jogo numa ferramenta analítica de informações,que se chama B I, e eu consigo chegar até nos níveis de incidência em tempo real, tempo de espera, como em câncer, por exemplo. Tudo em tempo real, por um tablet, usando tecnologia.

Eu tenho as informações num padrão que eu consigo analisar, e ter em tempo real, e posso receber no meu celular, por exemplo, alertas sobre o que está acontecendona minha secretaria, a nível de atendimento, de forma rápida.

A tecnologia está aí para isso, para o secretário poder tomar decisões. Não existe gestão da saúde sem informação, e não existe informação sem tecnologia.

Também em tempo real, pela biometria é possível saber se os horários de trabalho estão sendo cumpridos, se o médico que deveria estar naquela escala apareceu, ou não apareceu. Todos os nossos sistemas tem essas tecnologias disponíveis, e um leitor biométrico tem um preço insignificante.

Midiamax – Sobre transparência: se o software, a plataforma enxerga e mapeia o sistema de saúde por dentro, ele também pode revelar, dentro do que preconiza a lei da transparência?

Benner – Sim. Tudo o que você faz, os atendimentos, as compras, tudo tem rastreabilidade. O que foi feito, como foi feito, pra onde foi. Eu consigo medir produtividade, eficiência, eu consigo mostrar os custos de cada atendimento, posso demonstrar quanto custa o atendimento num PAM, num hospital.

Hoje, se fala que o dinheiro que o SUS repassa não é suficiente, mas ninguém tem o custo exato de cada procedimento porque não tem o sistema de custo.

 

Então, disponibilizar as informações, saber onde estão os gargalos, de uma forma automática, botar num portal da transparência, botar lá a qualidade dos atendimentos que eu fiz em cada unidade, para mostrar para a população, buscar sugestões da população, isso hoje a internet e os portais de transparência estão é para isso. 

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