Congresso quer barrar novos empréstimos do BNDES ao exterior

A proposta também visa proibir o Executivo federal de fazer empréstimos a países que tenham nota baixa na classificação de risco soberano



O presidente Lula com o vice Alckmin na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante. Foto: RICARDO STUCKERT/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA - 6.2.2023

A Câmara dos Deputados e o Senado buscam uma forma de impedir que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) volte a ser utilizado pelo governo federal para financiar projetos de engenharia em outros países. A gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem afirmado que vai retomar os empréstimos, apesar de o Brasil ter sofrido um calote de ao menos R$ 5,3 bilhões.

Ao menos dez propostas apresentadas neste ano por deputados e senadores querem impor regras para que os recursos do BNDES sejam emprestados a empreendimentos fora do país. Boa parte dos projetos visa proibir que o Brasil envie dinheiro a países que estejam inadimplentes com o banco. Além disso, as matérias sugerem que o presidente da República passe a responder por crime de responsabilidade se autorizar novos empréstimos a nações devedoras.

A Venezuela deve o maior montante: R$ 3,5 bilhões. Depois vêm Cuba, com R$ 1,22 bilhão, e Moçambique, que tem dívida de R$ 628 milhões com o BNDES.

Um dos projetos é de autoria do deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM). Segundo o texto dele, o governo federal não poderia mais firmar acordos com países que tenham sido inadimplentes com instituições financeiras públicas brasileiras nos últimos 15 anos e que não tenham regularizado os pagamentos.

A proposta também visa proibir o Executivo federal de fazer empréstimos a países que tenham nota baixa na classificação de risco soberano. Dessa forma, eles tendem a não honrar um empréstimo ou outros compromissos em virtude de instabilidade na política nacional.

Pela proposta apresentada por Neto, a Argentina seria uma das impossibilitadas de buscar financiamento no BNDES, visto que os principais sistemas de classificação de riscos soberanos internacionais colocam o país em uma perspectiva de inadimplemento próximo.

Nas últimas semanas, Lula prometeu se esforçar para que o BNDES banque a construção de um gasoduto na Argentina na região de Vaca Muerta, na Patagônia. Segundo o governo argentino, o empreendimento tem um custo aproximado de US$ 689 milhões.

"Essa é uma iniciativa que nos parece fundamental para evitar que se brinque com o dinheiro dos contribuintes. Será que alguém em sã consciência emprestaria seu dinheiro para quem não deve saldar a sua dívida? Não pode haver generosidade unilateral no comércio, especialmente em um país com indicadores de pobreza e distribuição de renda tão vergonhosos como o Brasil”, defende.

Punições
Outro projeto foi apresentado pelo deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP). A proposta dele também visa que o governo federal negue financiamento ou empréstimo a quem esteja inadimplente com o Brasil, mas sugere ainda que o agente público que desrespeitar essa proibição seja responsabilizado criminalmente.

Segundo a proposição, o presidente da República poderia incorrer em crime de responsabilidade, cuja punição é o impeachment, enquanto outros servidores do poder público poderiam responder a ato de improbidade administrativa.

"Com a ascensão de um governo populista, o projeto de lei se faz necessário para impedir que o escasso dinheiro do pagador de impostos seja direcionado mais uma vez para o financiamento de regimes ditatoriais e incapazes de honrar seus compromissos", destaca o deputado.

O senador Plínio Valério (PSDB-AM) também formulou uma proposta que prevê responsabilização por improbidade administrativa a quem autorizar empréstimos a países devedores.

"A aplicação de recursos públicos dos contribuintes brasileiros no exterior, com duros problemas no Brasil para serem resolvidos, é inaceitável e absolutamente revoltante", critica.

Sugestões
Nos projetos apresentados à Câmara e ao Senado, os parlamentares defendem que os recursos do BNDES sejam usados para a realização de investimentos no Brasil. Além disso, há propostas sugerindo que empréstimos solicitados por governos estrangeiros sejam submetidos a votação no Congresso. 

Segundo o deputado Vicentinho Júnior (PP-TO), "não é admissível que um país ainda tão carente de infraestrutura direcione recursos para a melhoria de países estrangeiros enquanto a maioria dos brasileiros sofre com a falta de estrutura diariamente".

A deputada Greyce Elias (Avante-MG) acrescenta que "a prioridade do governo deve ser a recuperação econômica nacional e o investimento na infraestrutura brasileira". "Gastar dinheiro público arrecadado da população brasileira para beneficiar países estrangeiros é um absurdo que não deve ser tolerado", diz.

"Os países estrangeiros em que foram executados os projetos financiados se beneficiaram com infraestrutura, geração de empregos e crescimento. No entanto, até hoje não estão claros os benefícios econômicos e sociais que tais operações trouxeram para o Brasil", completa o deputado José Medeiros (PL-MT).

Histórico de inadimplência
O BNDES já liberou recursos para países investigados pela Operação Lava Jato e há histórico de inadimplência. Até setembro de 2022, os pagamentos não realizados eram de no mínimo R$ 5,2 bilhões. Os calotes foram causados por Moçambique (R$ 627 milhões), Cuba (R$ 1,1 bilhão) e Venezuela (R$ 3,5 bilhões).

Quando há inadimplência do devedor, o BNDES pode ser ressarcido pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), que cobre calotes em operações de empresas nacionais fora do país. O FGE já devolveu ao banco aproximadamente R$ 5 bilhões.

A origem dos recursos que alimentam o FGE é brasileira. Compõem o fundo, por exemplo, o resultado das aplicações financeiras dos recursos do BNDES, as comissões decorrentes na prestação de garantia e recursos do Orçamento da União. Na prática, portanto, quando alguma parcela não é paga pelo devedor, esses recursos saem dos bolsos dos brasileiros.

O R7 questionou o BNDES sobre a data em que os valores ser

ão cobertos integralmente. O banco afirmou que o ressarcimento será feito na íntegra, mas não especificou quando.

De acordo com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, "não há risco de prejuízo", já que "os acordos do BNDES têm garantias e seguros e há uma larga tradição de receber o que emprestou". Além disso, segundo a pasta, "o financiamento é feito para empresas brasileiras que vão exportar e gerar empregos aqui no Brasil".

Posição de Lula

Durante a cerimônia de posse de Mercadante na presidência BNDES, na terça-feira (7), Lula afirmou ter certeza de que os valores serão pagos no atual governo "porque são todos países amigos do Brasil e certamente pagarão a dívida que têm com o BNDES". O presidente da República culpou a gestão anterior por não ter cobrado.

"Países que não pagaram [as dívidas] é porque o ex-presidente [Jair Bolsonaro] resolveu cortar a relação internacional e para não cobrar e ficar nos acusando", disse Lula, que exigiu do novo presidente do BNDES a intensificação da atuação do banco de forma a contribuir com o crescimento econômico brasileiro.

O petista alegou ser "mentira" que a instituição emprestou dinheiro a nações com quem o presidente da República tem afinidade. "O BNDES nunca deu dinheiro para países amigos do governo. O banco financiou serviço de engenharia de empresas brasileiras em nada menos que 15 países da América Latina e Caribe entre 1998 e 2017." Lula destacou, ainda, que não se pode ter "medo de emprestar dinheiro para o Estado se tiver capacidade de endividamento".


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