Para psicóloga, tempos atuais podem afetar saúde emocional e é preciso ficar alerta para sintomas


Midiamax

Chamamos de luto todo o processo em que precisamos lidar com a frustração gerada pela perda, seja de um ente querido, do emprego, com o fim de relacionamento ou qualquer ruptura que desestabilize nossa saúde emocional. O que não se fala, no entanto, é que nos dias atuais somos diariamente expostos a situações em que saber lidar adequadamente com a frustração ou perda torna-se fundamental para garantir estabilidade emocional. E diante de uma realidade na qual, num contexto de saúde pública, a saúde psicológica das pessoas não é tratada com a mesma importância que a saúde física, as pessoas padecem cada vez mais. Para tratar o assunto, o Jornal Midiamax entrevistou a psicóloga e coach campo-grandense Raíssa Ramos Ferreira. Especializada em psicoterapia e intervenções do luto, tanatologia e combate e prevenção ao suicídio, Raíssa é fundadora da Clínica do Luto, espaço terapêutico dedicado ao atendimento de pacientes enlutados em Campo Grande. Na entrevista, ela explicou o fenômeno do luto sob a luz da psicologia e opinou sobre a necessidade de se investir em um sistema de saúde pública que inclua adequadamente o atendimento psicológico.


JORNAL MIDIAMAX - A questão financeira tem muita influência na saúde emocional das pessoas. E a crise econômica, por exemplo, apertou o orçamento de muita gente e empurrou muitos brasileiros para situações delicadas, como o desemprego. Que efeitos psicológicos decorrentes desse cenário podem ser observados?



RAÍSSA FERREIRA RAMOS - A crise financeira realmente está afetando negativamente a saúde emocional dos brasileiros, como era de se esperar, pois a instabilidade impossibilita a concretização de planos, a realização de sonhos e aumenta o grau de frustração em relação à vida. Profissionalmente, observo os pacientes tomando decisões equivocadas, sentindo-se pressionados e muito ansiosos. O que acaba dificultando a criação de estratégias para mudar a própria realidade e encontrar saídas. Devido a toda essa complexidade, minha orientação é que as mudanças comecem de dentro para fora, independente do cenário externo: conscientização da situação real, mapeamento das dívidas, melhoria nas tomadas de decisões, escolhas mais ponderadas nos gastos, solicitação de ajuda à profissionais, amigos e familiares. Não devemos ignorar o momento atual, pelo contrário, devemos encarar e utilizar todas as nossas ferramentas para combate-lo.

Esse sentimento de frustração, de desesperança, também é observado quando terminamos um relacionamento ou até mesmo quando morre alguém próximo. Seria uma espécie de luto. Por que, afinal de contas, temos tanta dificuldade de ser resilientes diante desses episódios?

Todo fim e toda ruptura são lutos. Quando morre alguém que amamos é muito claro para nós e para a sociedade que se trata de um luto, porém em todas as demais situações como por exemplo: ser despedido do emprego, terminar um relacionamento, perder o movimento das pernas ou braços e entre outros não são vistos como tal. Temos muita dificuldade para lidar com nossos lutos, pois não somos educados e preparados para tal. Este assunto, apesar de ser extremamente presente em nossas vidas, é evitado a qualquer custo. Tal qual a morte é um tabu, estar de luto também o é, por isso quando estamos vivenciando um desses episódios pessoalmente, não possuímos bagagem emocional, ou seja, preparação, para lidar com aquilo, o que acaba só aumentando o sofrimento.

Fala-se muito de cinco fases do luto, que vão desde a negação à aceitação, salvo engano. Quais são, afinal, as etapas que comumente se atravessa neste processo? Elas são iguais para todo mundo?

Atualmente não tratamos mais como “fases do luto” e sim como um movimento dual, no qual há sobreposição de sintomas e sentimentos. Cada luto é único e a natureza do sofrimento do ser humano é bastante complexa e individual, por isso não é possível generalizar e afirmar que ele aconteça de maneira igual para todos. Sabemos, no entanto, que existem sentimentos que se repetem como choque, negação, raiva, agitação, desorganização, desespero, depressão, isolamento social, quando o enlutado está mais entristecido e que ao passo que inicia a elaboração do luto, compreendendo melhor a perda, sentimentos mais positivos são acrescidos como a aceitação, lembranças saudosas, incorporação de ensinamentos deixados e criação de planos de vida futura. Para que haja uma boa elaboração do luto é indicado que a pessoa enlutada busque ajuda de um psicólogo especialista na área.



É importante que a pessoa viva esse processo de reflexão e de compreensão das próprias emoções?

Sim, com certeza. É muito importante que a pessoa permita-se sofrer, chorar, sentir falta, pois esses são os sentimentos normais e esperados para o momento. A falta de vivência do luto, obrigatoriamente, leva a um sofrimento tardio, chamado luto complicado (antigamente conhecido como luto patológico). Esse sofrimento posterior pode desencadear outros sintomas ou doenças, aumentando ainda mais o desgaste da pessoa enlutada.

O que precisa ser observado, que tipo de sintoma precisa ser identificado, quando a pessoa que atravessa um luto precisa de apoio profissional?

O apoio profissional pode ocorrer desde o primeiro momento da perda, da separação, da ruptura ou de qualquer outro tipo de luto que tenha ocorrido. O que sugere a necessidade de buscar ajuda profissional é o tamanho do sofrimento, do estresse e da disfuncionalidade na vida da pessoa enlutada. Entristecer-se é normal, porém se está trazendo prejuízos no seu dia-a-dia, como por exemplo: deixar de fazer as atividades que tinha costume de fazer, faltas ou baixa produtividade no trabalho, isolamento social, pensamentos negativos recorrentes entre outros, é a hora de buscar ajuda de um psicólogo especializado em luto. Não pode haver receio ou preconceito em buscar ajuda e cuidar da sua própria saúde mental, pois ninguém mais pode fazer isso no teu lugar.



Uma alternativa a esses tempos de crise seria se reinventar, usar da criatividade para lidar melhor com a situação que se vive. Mas, em muitos momentos recorrer a ajuda profissional é incompatível com o orçamento das famílias brasileiras. O que é preciso mudar para que o enfrentamento a essas dificuldades seja possível com suporte psicológico adequado?

As políticas de saúde pública precisam compreender, na prática, a saúde mental com a mesma dimensão de importância da saúde física, facilitando assim o acesso de todo brasileiro ao atendimento psicológico adequado, tal qual luta-se atualmente para se ter na parte médica. Porém, enquanto isso não é uma realidade, os enlutados podem procurar os serviços das universidades-escolas, que possuem clínicas psicológicas, nos quais alunos em formação atendem a preços populares, supervisionados por psicólogos formados, além disso, há profissionais especializados que reservam uma parte de suas agendas para atendimentos sociais em seus consultórios particulares, possibilitando para que a população menos favorecida economicamente tenha acesso à tratamentos de qualidade.


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