'Não adianta protestar contra corrupção quando no dia a dia somos corruptos', afirma Dom Dimas


Midiamax

Por Guilherme Cavalcante e Lyra Líbero

O Brasil encontra-se atualmente imerso em uma espécie de mar de lama, com políticos corruptos sendo revelados a cada dia, provocando indignação generalizada e reações exaltadas. Tudo isso aconteceu justamente na Quaresma, o período de 40 dias em que cristãos, sobretudo católicos, começam a se preparar para a celebração de Páscoa. Neste contexto, o site Jornal Midiamax procurou o arcebispo de Campo Grande, Dom Dimas Lara Barbosa, para comentar as ações da igreja católica durante a páscoa e também para discutir sobre a situação política do país. Na ocasião, Dom Dimas revelou, inclusive, preocupação com a sucessão presidencial caso o impeachment ocorra. "A pessoa que ficará no lugar é ficha suja ou é ficha limpa? Está sendo processado por suspeita de corrupção?", questionou o arcebispo. Confira.

Estamos num momento em que a páscoa e seus significados têm importância ímpar. As pessoas guardam a sexta-feira Santa, alimentam-se de peixes, enfim, fazem a tradição, mas, só fazem isso. Qual a opinião do senhor a respeito da pessoa que só faz a tradição no dia santo, mas que nos outros dias não vive os ensinamentos, ainda mais nesse período em que há essa segregação que hostiliza as pessoas?

A Páscoa é o centro do ano litúrgico. Na verdade, os católicos se preparam para esta data durante toda a quaresma, de uma maneira mais intensa, na Semana Santa, quando há o tríduo pascal. Naturalmente, não só a Páscoa, mas a vida do cristão tem que ter consequências concretas. Nesse sentido, a carta de São Tiago é muito incisiva: "a fé sem obras é morta". Nela, há uma passagem que diz: "Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras". Isso aqui deveria ser um texto de cabeceira de todo católico. Claro que a Semana Santa e a quaresma são momentos fortes de conversão, de penitência, de conversão, mas eles devem ser um momento concentrado que depois levaríamos para a vida.

Passada a Quaresma e a Páscoa, a Diocese continuam com que ações?

Nós temos programação para o ano inteiro. Claro que cada período litúrgico tem um foco. Se você pegar o mês de setembro, por exemplo, o foco é a Bíblia. No mês de maio é o mês de Maria. Em agosto, as vocações. Ou seja, ao longo do ano, tentamos dar uma conotação, a mais clara possível, de conexão entre a vida e a fé que se celebra. No mês das vocações, por exemplo, temos a Semana da Família. Em outubro, nas vésperas do Dia 12, que também é dia de Nossa Senhora Aparecida, nós focamos na vida da criança, tanto do nascituro como da criança nos primeiros anos.

A Campanha da Fraternidade também é uma dessas ações, certo?

Sim. Falando especificamente da Campanha da Fraternidade, que terminou no Domingo de Ramos com a Coleta da Solidariedade, desdobram-se diversas ações. Essa coleta que falei, por exemplo, financia projetos sociais no país inteiro. Uma parte da verba fica na Diocese e outra vai para a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), onde é constituído um 'Fundo de Solidariedade' que custeará projetos sociais, inclusive de entidades que não são da Igreja. Quando eu estava na CNBB, por exemplo, o Fundo de Solidariedade chegava a R$ 5 milhões. Dava pra financiar muitas iniciativas.

E quanto as ações locais? 

Aqui, especificamente, em Campo Grande, uma vez que o tema da campanha foi 'saneamento básico', num primeiro momento precisamos focar em algo que não foi tão discutido no texto base, mas que se tornou problema mundial, a questão do mosquito Aedes aegypti. Nós começamos a apoiar e a incentivar as pessoas a verem aquilo como gesto concreto da Quaresma. Ou seja: 'sou católico, defendo a vida, combato o mosquito'. 

O resultado foi satisfatório?

É o tipo de coisa que é difícil de avaliar. Mas eu acho que demos a nossa contribuição. Inclusive, num primeiro momento, atendendo a um pedido do próprio governo do Estado, optamos por esse trabalho nas casas, no sentido missionário. Se eu consigo convencer 50 mil famílias a serem multiplicadoras, eu acho que já é uma contribuição. Não vai acabar com o problema da dengue, mas é uma ação. Também distribuímos material educativo da Prefeitura e do governo do Estado, que ensinavam a como fazer o combate. A ideia era mostrar que a pessoa não era responsável apenas pela própria casa, mas, também, pela casa dos outros. Por conta disso, nós demos um tempo no tema do saneamento básico, porque a dengue se você não combate até maio, depois só ano que vem. Mas, já estamos pre-agendados para do  dia 20 de abril uma audiência pública conjunta, entre Câmara e Assembleia Legislativa. Aí, sim, será uma ocasião para discutir o problema do lixo, da água, do  esgotamento, que são temas mais próximos do saneamento.

As dioceses apoiam iniciativas populares das paróquias, por exemplo, encenações da Paixão de Cristo?

Sim, porque se a encenação é feita na fidelidade da escritura, pode ser um momento interessante de evangelização. Existem algumas que são iniciativas da própria paróquia. A Paixão das Moreninhas, parece-me, tem apoio direto da paróquia. E há outras que são iniciativas de grupos teatrais, assim como tem os de evangelização, mesmo. No Rio de Janeiro, mesmo, existem excelentes grupos de teatro que fazem a encenação, não só a Paixão, mas outras passagens da Bíblia. Quer dizer, alguns movimentos da igreja usam das mídias para evangelizar. A TV Século 21, tem produzido até mesmo telenovelas católicas, uma delas se chamava 'Irmã Catarina', encenada pela Mirian Rios. Mas, eu já vi o contrário, encenações de grupos teatrais que usavam motivos católicos com a finalidade de 'detonar'.

E em respeito ao momento político que o país está vivendo, a respeito dessa dualidade de emoções que segmentou a população, a Diocese tem um posicionamento?

Pois é. Eu tenho sido muito solicitado a me pronunciar de uma maneira mais incisiva, não tanto em relação se defendo ou não impeachment, se vai ter golpe ou não, mas em outros pontos... O primeiro é que realmente temos que levar a sério a corrupção, venha de ontem vier. Temos que nos preocupar muito com a corrupção que se aninha também no coração das pessoas. Em uma reunião com líderes, por exemplo, eu brincava com os jovens: "quem aqui se manteria tranquilo, sem mudança de comportamento, um professor saísse de sala durante a aplicação de uma prova?". Muitos disseram que não ficariam tão indiferentes assim. E a 'cola' é corrupção do mesmo jeito, assim como é a eleitoral. Quer dizer, não adianta protestar contra corrupção quando no dia a dia somos corruptos. E vale destacar que as denúncias que temos visto não se referem apenas ao governo federal. A corrupção se instala em vários níveis, quer dizer, em todos os níveis: municipal, estadual e federal. E atinge vários partidos, pessoas da situação e da oposição, e também os três poderes.

E quanto ao sentimento de intolerância?

Essa é outra coisa que nos preocupa muito. A intolerância está acontecendo dos dois lados. Expor com veemência e compaixão o que defendem, aí tudo bem. Mas, a partir do momento que começa a faltar com respeito, quando surgem as cenas de violência, de vandalismo... Bem, isso realmente preocupa. Levando em conta que a intolerância chegou ao nível que está, temos que nos preocupar também com o 'dia seguinte'. Afinal, o que  vai ser depois do processo de impeachment, independente do resultado? Qual vai ser a reação das pessoas caso o governo caia ou fique? E se o governo cair, o que haverá para ser oferecido? A pessoa que ficará no lugar é ficha suja ou é ficha limpa? Está sendo processado por suspeita de corrupção? Quer dizer, tem que ver essa linha sucessória para não trocar seis por meia dúzia.

O que o senhor achou das últimas manifestações em Campo Grande?

Eu achei tão bonito que o 13 de março aconteceu sem aqueles grupos de baderneiros que têm se manifestado em outras circunstâncias, que se infiltram em manifestações com toucas ninjas, ocultando a face, e quebrando tudo. Eu tinha medo disso acontecer aqui, mas o 13 de março passou no Brasil inteiro sem maiores incidentes, assim como os movimentos de apoio ao governo aconteceram sem incidentes. 

A CNBB já fez alguma campanha institucional no sentido de combater a corrupção?

Sim. Inclusive, o primeiro projeto de caráter popular para combater a corrupção foi iniciativa da CNBB, em 1999. Foi a Lei 9.840/99, que ficou conhecida como a 'lei contra a corrupção eleitoral', por meio do combate a compra de votos e ao uso da máquina administrativa durante o período eleitoral. Na época, a CNBB, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a Associação de Juízes para a Democracia, nós recolhemos mais de um milhão de assinaturas para que o texto fosse apresentado ao Congresso Nacional. O lema era e continua sendo: "o voto não tem preço, tem consequências".


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