Igreja não tem como resolver questão indígena, diz novo bispo


Dourados News

Bispo Dom Henrique está há quase um mês a frente da Diocese de Dourados (Foto: Fabiane Dorta)

A igreja não tem o poder e nem faz parte da igreja resolver a questão do conflito de terras entre índios e produtos rurais, afirmou o novo bispo da Diocese de Dourados, Dom Henrique Aparecido de Lima, 51, empossado no cargo dia 30 de janeiro. Segundo ele, que é o entrevistado dessa semana do site Dourados News, o que a igreja pode fazer é contribuir com o diálogo sobre a questão.

Ao jornal, ele ainda falou sobre a Campanha da Fraternidade, iniciada no domingo (14), pela igreja católica e como o assunto que envolve a questão do saneamento básico será tratado na cidade neste mês. Para ele, o debate que gira em torno do cuidado de todos com o meio ambiente, se tornou ainda mais urgente com o aumento de casos de Dengue, Febre Chikungunya e Zika Vírus.

O novo bispo que é também o primeiro negro a assumir o cargo na cidade, diz que nunca foi alvo de preconceito por sua cor e que não levanta bandeiras de qualquer movimento. “Meu foco é evangelização”. Ele ainda falou sobre outros temas, como aborto e casamento gay.

Nascido em Assis Chateaubriand (PR), a vocação para a vida religiosa surgiu muito cedo na vida de Dom Henrique. Com apenas seis anos de idade, ele já tinha aspiração pela vida sacerdotal. Mas, era o filho mais velho de uma família de seis irmãos e com isso, tinha suas responsabilidades à época. Diante disso, passou a receber orientação vocacional aos 14 anos de idade, mas somente aos 18 foi para o Seminário de Santo Afonso da Congregação do Santíssimo Redentor.

Aos 22 anos de idade, precisou sair do Seminário para ajudar a cuidar dos irmãos e seguir com os pais que precisaram se mudar para o Pará, trabalhando sempre na área rural. Nesse período, seu ofício foi de caminhoneiro na área de montagem de barracão de pré-moldado. Em 1991, já com 26 anos de idade, ele trabalhava para custear suas despesas e poder continuar a vida de seminarista.

Com 35 anos de idade, completos no ano de 1.999, Dom Henrique foi ordenado padre. No ano seguinte, o pai dele faleceu e sua mãe, Sebastiana Onofre Lima, com 55 anos de idade, se tornou religiosa. Foi ele quem ordenou a mãe que é freira há 10 anos. Além dos dois, ele tem uma irmã que ficou por 20 anos na vida religiosa, mas deixou para investir nos estudos e agora pretende se dedicar à vida missionária.

Durante sua vida religiosa, já atuou na paróquia redentorista de Ponta Porã e foi pároco de Aquidauana. Durante seis anos foi membro do Conselho de Consultores Diocesanos de Jardim e administrador diocesano de 2007 a 2008. No ano de 2007, foi eleito vigário da província e, em outro de 2014, assumiu como provincial dos redentoristas de Campo Grande. Ao todo, já atuou por nove anos somente em Mato Grosso do Sul.

Confira a entrevista na íntegra:

Dourados News – A Campanha da Fraternidade deste ano tem como tema “Casa Comum, nossa responsabilidade”. Dentro desse contexto, o que será abordado?

Dom Henrique Aparecido de Lima - No geral a campanha trata sobre saneamento básico, mas aborda também vários outros tópicos, como a questão da coleta de lixo, da reciclagem, dos excessos de gastos que acabam indo para o lixo também, questão da poluição, do zelo pela natureza, pelo verde. Engloba várias temáticas dentro dessa questão do saneamento básico.

D.N. – Qual a importância da campanha tratar desse tema justamente nesse momento vivido pelo país?

D.H.A.L - Ele [tema] é urgente porque nós estamos vendo hoje o mosquito da Dengue que há tanto tempo o governo vem tentando sanar esse problema e, por incrível que pareça a coincidência, sempre a Campanha da Fraternidade é preparada um ano antes. Então quando saiu a Campanha do ano passado, essa Campanha já estava pronta e anunciada já, só iam trabalhar ela para criar o subsídio, mas o tema seria esse De agosto para cá, começou a surgiu esse problema de Zika Vírus, Chikungunya e Dengue e muitos outros que estão para surgir que a gente que acompanha as reportagens vê. Então veio mesmo a calhar para o momento, para alertar a sociedade, a população para se cuidar mais, porque muitas vezes pode achar que só o poder público tem que cuidar das coisas, mas não. Cada um de nós temos que cuidar das coisas também. Se eu cuido da minha casa, do meu quintal, com certeza estou ajudando. Essa Campanha vem para trabalhar isso, para criar uma consciência comum.

D.N. – Como o tema será trabalhado em Dourados? Será mais voltado para a Dengue, Zika e Febre Chikungunya ou não?

D.H.A.L - Aqui não vamos trabalhar especificamente em cima da questão a Dengue, porque os meios de comunicação já estão falando direto, tanto na TV, no rádio, esses alertas. Nosso trabalho vai ser mais em cima do zelo com o meio ambiente e o zelo com o meio ambiente já vai ao encontro do trabalho que o poder público vem fazendo, da responsabilidade, da consciência para si mesmo. A pessoa fala que está pegando dengue, pegando dengue, mas às vezes o foco estava ali no quintal e a pessoa não estava nem olhando para o quintal dela. Precisamos criar essa consciência. A gente tem muito aquele costume, falo até por mim mesmo, de achar que a doença só pega no outro e que nunca vai chegar em mim, e às vezes o foco está dentro da minha casa. Então tem essa preocupação.

D.N. – Essa Campanha é iniciativa da igreja católica, mas também abrange outras igrejas?

D.H.A.L - Como é uma Campanha que busca alertar toda a sociedade, ela é ecumênica. Então a gente também tem as outras igrejas evangélicas trabalhando juntas. Tem igrejas evangélicas trazendo projetos para nós, através do Conselho dos Pastores de Dourados. É uma forma de poder ir mais longe dentro da sociedade, já que é uma necessidade social. Existe o chamado Conic (Conselho Nacional das Igrejas Cristãs), então quando tem uma campanha que a igreja acha interessante trazer o Conic junto, traz, reflete, conversam e vamos trabalhar juntos numa campanha ecumênica. Sempre o lema da campanha é bíblico e este ano o lema é interessante: “quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”, profeta Amós 5.24.

D.N - Junto com o debate sobre o Zika Vírus, vem sendo manifestado no país o desejo de mães pelo aborto de filhos diagnosticados com microcefalia. Como o senhor pensa sobre essa questão? Esse tema do aborto será tratado na igreja?

D.H.A.L - Para ser sincero, a gente nem toca nesse assunto porque não é uma realidade nossa daqui, entende? Há bastante reflexão sobre isso mais na parte do nordeste, que tem esse problema. Então, não há necessidade de refletir sobre esse assunto aqui.

D.N. - E quanto à prática do aborto em si, o que o senhor pensa a respeito?

D.H.A.L - Eu sempre digo assim que tem que levar em conta a ciência, não é o gosto de cada um, mas o que a ciência está dizendo. E a igreja, como todo mundo é conhecedor, é a favor da vida. Então ela nunca vai dizer “pode abortar”. Mas, com os estudos científicos e nós temos pessoas científicas dentro da igreja, padres e bispos formados, para chegar a um denominador comum. Estamos acompanhando o que a ciência está dizendo, fazendo estudos e fazendo análises.

D.N. – O senhor tomou posse como bispo da Diocese de Dourados há quase um mês. Quais serão os desafios que terá a frente do cargo?

D.H.A.L - A primeira coisa que eu tenho falado com os padres, com a liderança, com o clero em geral, com as irmãs, é que por mais que eu tenha trabalhado nove anos aqui [em Mato Grosso do Sul, de 2000 a 2008], quando a gente trabalha como padre, como missionário redentorista como sou, é uma coisa. Você vai para a paróquia, é pároco etc. Mas, quando você vem assumir a Diocese, você tem que fazer uma boa análise de tudo da vida da Diocese para depois ir tomando corpo do que é importante fazer e também zela daquilo que já vinha sendo bem feito. A gente tem que tomar conhecimento e ajudar a levar adiante. Os próprios padres colocam e até o próprio Dom Redovino, coisas que precisam. Aí nós vamos analisar e pensar ‘hoje vamos mexer nisso, hoje naquilo’. Estou na fase de análise ainda, de conhecimento. Já conversei com muitas pessoas, atendi muitas pessoas, graças a Deus.

D.N. – Como foi a notícia de que seria bispo da Diocese de Dourados? Se sentiu bem acolhido?

D.H.A.L - Teve a ordenação episcopal minha, com muita gente, muito clero, religiosos, religiosas, a liderança da diocese, a igreja estava lotadíssima, o salão da catedral lotadíssimo. Se a missa fosse lá fora, na praça, ia caber. Isso faz parte do acolhimento e eu fiquei muito feliz, talvez não de receber a notícia de ser bispo, porque eu era provincial dos redentoristas, estava muito bem encaminhado nas coisas, tinha outro foco e quando eu recebi o chamado, eu fiquei meio estremecido. Porque é mesma coisa de você estar num trabalho e, de repente, te chamam para outro. Aí você está gostando daquele trabalho, mas tem que deixar aquele trabalho para assumir o outro. Foi um pouco complexo pra mim. Mas, o fato de ser a Diocese de Dourados me alegrou muito, porque eu já conhecia um pouco da vida da Diocese, muito cheia de vida, de trabalhos sociais, pastorais, a questão da área indígena que é uma luta. Então é uma Diocese muito viva.

D.N. – Em entrevista ao Dourados News antes de deixar o cargo, Dom Redovino disse que uma de suas dores ao sair do episcopado foi lutar por uma justa solução para o conflito de terras entre índios e produtores rurais, e ver que nesses anos, a situação se agravou. Como o senhor pretende tratar a questão daqui para frente?

D.H.A.L - A questão indígena é uma questão de Estado, questão de governo. Não é algo que a igreja tenha como resolver. A gente ajuda evangelizando, conscientizando, dando apoio. Pode sentar para conversar, fazer reunião. Mas, a igreja não tem como resolver o conflito. Primeiro porque a igreja é aberta a todos, índios, fazendeiros, favelados, pobres, ricos. Não tem como separar um ou o outro. Então tenta trabalhar com um todo e nas questões mais delicadas a gente tenta sentar, conversar, dar ideias, trocar ideias. Não tem como ter a solução, “vou resolver esse problema”. A igreja não tem esse poder e nem faz parte da igreja fazer isso.

D.N. – 2016 é um ano eleitoral para a nossa cidade, já que haverá escolha de prefeito e vereadores. Como pretende ligar com essa questão? O debate da sucessão será trazido pra dentro da igreja?

D.H.A.L - Não falamos nada sobre o assunto ainda, vamos ver as propostas que os padres trarão, que a liderança trará, para então decidir. Mas, se faz parte da dinâmica da Diocese, nós vamos fazer. É importante uma coisa bem feita, um debate bem feito sem estar defendendo partido político, mas ideias para o bem da cidade.

D.N. - Com relação à política nacional, o Brasil está vivendo um momento delicado, onde há discussões em torno do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), além da crise econômica. Como o senhor vê esse cenário e como lidar com isso dentro da igreja, que reúne pessoas tão diferentes?

D.H.A.L - A questão da política nacional nossa está bastante complexa, não tem como dizer “é isso ou é aquilo, se fizesse isso ou se fizesse aquilo”. Acho que o Brasil chegou num momento, é a sensação que a gente tem vendo reportagens e lendo os jornais e revistas, fala de um e de outro; que parece que travou. Há quantos anos estão falando em fazer reforma política, fazer reforma política, fazer reforma política. O mundo anda. As coisas tem que mudar, tem que ser feitas, tem que fazer acontecer, tem que se adequar ao tempo. Precisa dessa mudança, precisa refletir, discutir, colocar em discussão, em reflexão, e dar novos rumos.

D.N. - *Então quando o senhor fala em mudança, não significa a presidente sair ou ficar, é a política como um todo que precisa mudar?**

D.H.A.L - Não, como um todo. Quando aconteceu a reeleição da Dilma, eu comentei a questão não de que não é esse governo em si, é a política como um todo. Você vê o Estado do Paraná, por exemplo, está numa crise danada. Tanto que houve aquela agressão aos professores que teve repercussão nacional. Quer dizer, é um fato isolado, que está dentro de um contexto amplo. Só apareceu porque teve os policiais machucando os professores, saiu em rede nacional, mas o Estado passa por dificuldades.

D.N. – O senhor é o primeiro bispo negro da Diocese de Dourados. O que acha disso?

D.H.A.L - Na igreja, a gente mexe com todo tipo de gente, então esse tipo de coisa, questão de raça e cor, não vem ao caso. Eu, pelo menos, não vejo diferença em ser um afrodescendente ou se fosse um descendente italiano, alemão ou coisa parecida. Penso que era uma necessidade da Diocese no momento, eu estava na linha sendo escolhido, não é de agora. Pelos bastidores, ouvido meio de longe, sabia que meu nome vinha sendo pesquisado há muito tempo, bispos que me conheciam, inclusive o Dom Redovino, Dom Vitório é um que torcia para isso, bispo do paraná Dom Sergio torcia para isso. Então poderia ser nessa Diocese, poderia ser numa outra. Então eu creio que isso não venha ao caso e eu nem olho por esse viés de “eu sou afrodescendente e vai ser diferente, vou ser assim ou vou ser assado”. A igreja, a gente da igreja, a gente sempre busca aquilo que a igreja está trabalhando como um todo, o Papa Francisco, a CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), agora com os padres que estão aqui, os diáconos, a liderança, nosso foco é a missionariedade a evangelização.

D.N. – Já sofreu o preconceito em razão da sua cor?

D.H.A.L - Por incrível que pareça não, é interessante. Sempre foi muito tranquilo, porque eu também nunca puxei essa questão de “ah sou negro, puxo essa bandeira para cá, puxo essa bandeira para lá”. Eu nunca fiz isso, talvez isso tenha ajudado. Sempre tive facilidade de transitar com qualquer pessoa, nunca teve [preconceito], sempre foi muito tranquilo para mim. O foco para mim é o evangelizar.

D.N. – Nos últimos anos, Dourados tem aumentando o registro de uniões de pessoas do mesmo sexo e é algo sempre debatido também dentro da igreja. Qual a sua opinião sobre o debate acerca do casamento gay?

D.H.A.L - Essa questão é algo que nos estamos vivenciando nesse momento da nossa história. Tem feito estudo, avaliação. A gente vai tentando entender mais, compreender. Porque há estudos da questão dos gêneros, está sendo aprofundada. Só não tem a questão do sacramento porque o estudo não foi terminado ainda, mas o próprio papa Francisco tem tocado nesse assunto, pediu para a gente também estar em observação, em análise.


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