Zeca do PT tem a missão de reconstruir o partido com a queda de Delcídio.


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A prisão do ex-deputado federal e ex-secretário estadual de Obras Edson Giroto (PR) e do empresário João Amorim, dono da Proteco Construções, a pedido da força-tarefa do Ministério Público Estadual (MPE) que investiga esquema de desvio de dinheiro público em Mato Grosso do Sul, revela um momento trágico para a política sul-mato-grossense. Qual sua perspectiva sobre estas investigações?

Acho que terá mais desdobramentos. Tanto no que se refere a investigação do Ministério Público Federal sobre a Lama Asfáltica como na Operação Coffee Break. Acho que terá grandes desdobramentos. O Brasil não é mais o mesmo. A partir do que aconteceu em 2005, com a história do Mensalão, agora com o Petrolão, o Brasil não é mais o mesmo. Se ilude quem acha que pode fazer o que quiser com recursos públicos.


 

Há duas semanas, ao comentar as prisões de Giroto e Amorim em entrevista à Semana On, o ex-prefeito Nelson Trad Filho relembrou o fato do senhor ter sido acusado pelo Ministério Público e, posteriormente, inocentado. Na oportunidade, ele elencou a possibilidade do mesmo acontecer no futuro com os investigados das Operações Lama Asfáltica e Coffee Break. Qual sua opinião sobre isso?

Acho que é uma preocupação que tem que ser lavada em conta, até pela experiência do que aconteceu no Mensalão. As pessoas foram condenadas sumariamente. Este é o grande mal que vivemos hoje, e aqui não é diferente: a chamada criminalização da política e dos políticos. Você rasga a Constituição naquilo que é um princípio fundamental: a presunção da inocência. Qualquer um de nós tem que ser condenado a partir da comprovação da acusação que é feita. E esta comprovação cabe a quem acusa. Nós invertemos isso. Jogamos no lixo a presunção da inocência. Qualquer denúncia passa a ser verdade absoluta. Veja o que aconteceu com o Genoíno. Foi condenado, acabaram com a sua vida política, emocional e profissional para, 7 anos depois, a Suprema Corte dizer: “Desculpe não tinha punição para fazer, você está inocentado”. Quem paga por isso? A questão do Zé Dirceu. Qual a prova concreta contra ele na Lava Jato? Você prende um empresário, uma figura qualquer com base em uma denúncia. Mete o cara com outros seis em um cubículo. Isso é o pau de arara do século 21, é uma tortura psicológica. Meses depois, estas pessoas fazem uma delação premiada contando inclusive o que não sabem, para poderem ir para casa, mesmo que com uma tornozeleira, e ficarem juntos de suas famílias. É perigoso para a democracia.


 

O PT está no governo há 13 anos. Porque as grandes reformas estruturais defendidas pela esquerda não foram realizadas neste período?

Acho que nós nos embriagamos com as conquistas da chamada transferência de renda e da inclusão social. Foram 40 milhões de brasileiros ascendendo a um patamar melhor. Houve geração de emprego, reduzimos a taxa de desemprego a níveis de primeiro mundo, 4,5%. Nós nos embriagamos com esta história e não nos permitimos perceber que, para garantir este processo, tínhamos necessariamente que fazer as reformas de base, estruturantes. Estou lendo três livros neste momento. A trilogia do Lira Neto sobre o Getúlio, El Caudilho, sobre o Brizola, e a biografia do Jango. No livro, me deparei com a fotografia do famoso comício que antecedeu o golpe de 64, e lá vi uma faixa com as mesmas palavras de ordem que, 50 anos depois, ainda não conseguimos atender: ‘Pelas reformas de base”. A reforma agrária, tributária, política, etc.


 

O aparelhamento dos movimentos sociais pelo PT atrapalhou a implantação destas reformas?

Nós não aparelhamos os movimentos sociais. O que aconteceu é que, nos momentos em que o governo estava crescendo, com avaliação positiva, era natural que todo mundo assumisse uma postura de que não podia atrapalhar o que estava funcionando. Eu diria que não foram aparelhados, mas foram domesticados no sentido de, ao invés de fazerem sua política na defesa do que representavam, olharam de forma mais generosa para as ações do governo, esperando pelo momento oportuno de fazer aquilo que a gente sonha. Se naquele momento os movimentos sociais tivessem pressionado o governo, que estava bem avaliado, se tivessem pressionado o Congresso Nacional pelas reformas estruturais, com certeza teríamos conquistado muito mais na busca por um país com mais inclusão social.

 

O PT ainda é um partido de esquerda?

Do ponto de vista ideológico sim. É claro, que num estado democrático, mais do que qualquer coisa é preciso governabilidade, coalização para governar. Quando me elegi governador, tínhamos apenas um deputado na Assembleia. Chamei o PDT, o PPS, o PTB e outros partidos para negociar espaços. A contrapartida seria as bancadas destes partidos somarem com o governo, ajudarem a governar. Com isso, conseguimos fazer um governo progressista em um estado conservador. Fizemos um governo de esquerda. O Lula fez a mesma coisa. Quando assumiu seu primeiro mandato, o governo não tinha 100 deputados. Teve que fazer uma coalização com o PMDB, trouxe a turma do Sarney. A essência do PT continua a de um país democrático, mais justo, mais igual, embora as contradições de governar nos exijam, em determinados momentos, fazer coalizões deste tipo.


 

Houve mudanças profundas nas práticas do partido.

Não perdemos o ideal, mas perdemos a prática política, de motivar a militância, que é o maior patrimônio que construímos em nossa histórica. Éramos um partido de militantes. Nós abandonamos isso em função da governabilidade. E não eram coisas contraditórias. Podíamos manter um pé forte na sustentação dos movimentos sociais e da militância na rua para garantir as reformas que precisávamos e precisamos fazer. Por outro lado, quando dispersamos a atenção da motivação da militância, também perdemos determinadas práticas internas, democráticas, da escolha dos nossos dirigentes, da formação política e da organização do partido. Isso se diluiu e precisa ser retomado. No dia que o PT perder isso ele para de existir.


 

O Brasil vive um momento de polarização política, embora falte embasamento e até discernimento em muitas críticas que um lado dispara contra o outro. Há quem diga, por exemplo, que o PT representa um retrocesso autoritário de esquerda. Como o senhor analisa este fenômeno?

Você observa a passeata em apoio ao golpe, a “Marcha pela Família, com Deus, pela Liberdade”, em São Paulo, e vai ver a mesma história que ainda vemos em setores da elite mais reacionária e conservadora, que é a política do terror. Cartazes com dizeres do tipo “Não somos Cuba”, Não somos Venezuela”, “Fora o Comunismo”. Mas onde está o comunismo aqui? É o mesmo pessoal que jura que Aécio perdeu a eleição porque a contagem dos votos foi feita por uma empresa venezuelana. Pelo amor de Deus, é muita mediocridade, é terror, é intimidação. Intimidada, e vendo as notícias da Globo, a sociedade imputa ao PT tudo o que está acontecendo.


 

O PT não é responsável por parte do que está acontecendo?

Na verdade, o PT, nestes 13 anos, além da inclusão social, foi responsável pela conquista da liberdade de se investigar as figuras públicas. A Polícia Federal nunca teve tanta autonomia para investigar quanto tem hoje, e até exagera. O Ministério Público ganhou o poder que tem hoje graças as mudanças que o governo do PT fez, nomeando Procurador Chefe do Ministério Público Federal aquele que é escolhido pela categoria. Não tem mais engavetador de processos, como se tinha em governos anteriores. Ou seja: nós estamos pagando pela nossa rigidez na forma de governar pela democracia.


 

Por outro lado o próprio PT também acusa o PSDB de ser um representante da “direita reacionária”? O PSDB é um partido de direita?

Não é. Enquanto essência ideológica também não. O problema é que nós começamos errado lá no começo. A aliança prioritária do PT lá no começo era com o PSDB. É claro que isso não se reverte mais. Mas, o PSDB tem uma essência, uma origem social democrata, especialmente da social-democracia europeia. Nós fomos nos distanciando e hoje diria que é impossível pensar numa volta.


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