'O Zika Vírus pode causar microcefalia em bebês e tem previsão de chegar em MS', diz médico infectologista


Dourados News

A entrevista da semana do Dourados News é com o médico infectologista Júlio Croda, 37, e abordará sobre o Zika Vírus, doença que chegou recentemente ao Brasil e é transmitida pelo mosquito Aedes Aegipty, mesmo vetor da dengue.

 

O profissional é natural da Bahia e atualmente é pesquisador da Universidade Fiocruz em Campo Grande e professor no curso de medicina na UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). Ele é formado pela Universidade Federal da Bahia com residência médica e especialização em infectologia e doutorado na área pela USP (Universidade de São Paulo).

 

O infectologista explica que o vírus tem sido frequente nos estados do Nordeste, mas de acordo com o médico logo chegará ao Mato Grosso do Sul devido a fácil forma de transmissão e as condições de reprodução propícias.

 

Com os sintomas parecidos ao da dengue, o Zika de acordo com Croda tem gerado preocupação pela possibilidade de ligação com o quadro de microcefalia em recém nascidos que ocorre após a gestante apresentar os sintomas da doença nos primeiros meses de gravidez.

 

Segundo ele, o fato tem sido analisado por pesquisadores, mas já é uma preocupação. Ele ressalta que a microcefalia gera retardo mental e que caso comprovada a ligação, com uma epidemia muitas crianças precisariam de acompanhamento profissional o que envolveria gastos em todo o Sistema Único de Saúde.

 

O médico ressalta ainda que o diagnóstico da doença ainda é uma dificuldade e por conta disse é necessário alerta aos sintomas que se assemelham com as outras doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti –dengue e febre chikungunya- para o correto tratamento. Ele ainda é enfático quanto a prevenção que é a principal forma de combate a essas epidemias.

 

Confira a entrevista na íntegra:

Dourados News- Como surgiu o Zika Vírus no Brasil?

Júlio Croda- O surto que mais caracterizou essa doença aconteceu nas ilhas da Polinésia Francesa e relatos apontam que em 2014 esse vírus veio por meio de uma pessoa infectada de lá para o Brasil. Inicialmente pensava-se que esse vírus veio para cá na época da Copa do Mundo por conta do fluxo de turistas, mas aí em verificações, pesquisadores identificaram que nessa época teve aqui um campeonato de tênis e atletas vieram da Polinésia. Acredita-se que foi por aí que começou em nosso país. Os primeiros relatos aqui foram no Rio Grande do Norte, o doutor Cleber Luz foi o primeiro a provar que existia a transmissão do vírus aqui no país. Tudo começou quando os competidores vieram com o vírus para o Rio de Janeiro, mas depois esse já se espalhou por todo Nordeste brasileiro. Há relatos em Pernambuco, Rio Grande do Norte, Piauí, e na Bahia que enfrenta também o vírus da Chikungunya, só que o Zica se espalhou mais. Os relatos da doença são mais frequentes e ela já alcança 11 estados brasileiros, basicamente os do Nordeste, então nota-se que realmente o poder de disseminação da doença tem sido maior que a da Chikungunya por exemplo que é parecida. Pernambuco é o estado que tem mais casos notificados da doença e principalmente os casos mais graves que são aqueles com microcefalia que já alcançam 144, o que mostra que tem alguma coisa que está ocorrendo que é diferente.

D.N- Essa rápida disseminação da doença é preocupante?

J.C- É preocupante por ser um Flavivírus ou seja é igual ao vírus da dengue com o mesmo vetor que é o Aedes Aegypti. As condições ideais de transmissão de dengue que nós temos aqui favorecem também a transmissão de Zika. Então é questão meramente de tempo para que chegue aqui. É só a gente ter alguém que vá para o Nordeste, o que não é infrequente, traga esse vírus, seja picado pelo Aedes Aegypti e aí o ciclo estará fechado. Isso não vai demorar a acontecer, tanto o Zika quanto o Chikunguya vão chegar na nossa região.

D.N-A forma de transmissão é idêntica da dengue? Tem outros tipos de contágio?

J.C- O contágio tem o mesmo padrão da dengue, com o mesmo vetor que é a picado do mosquito e infecta facilmente. A doença até pouco tempo atrás era considerada como leve, sem complicações severas, tanto que não existia tanta preocupação com uma epidemia de Zika. O que se via era a febre, a pele bastante vermelha com muita coceira e mal estar. Era uma infecção auto limitada, onde não estava associada ao desenvolvimento de quadros graves, mortes, nada disso. Mas agora a visão tem mudado, e não há nada cientifico que comprove isso, porém esses casos de microcefalia em recém nascidos que estão surgindo principalmente no Nordeste, alguns pesquisadores tem associado ao vírus porque durante o mesmo período do ano, está tendo esses surtos de Zika e algumas gestantes que eles entrevistaram relataram ter tido sintomas da doença. No momento estamos com circulação da dengue, da Chikunguya e do Zika e todos esses vírus utilizam o mesmo vetor que é o Aedes Aegypti. Mas, a associação da Zika a microcefalia tem sido mais forte, só que ainda são necessários mais estudos que comprovem isso.

D.N- Há casos da doença em MS?

J.C- Não, ainda não fomos notificados sobre isso, mas como disse é caso de pouco tempo para chegar aqui.

D.N-A doença tem tipos de classificação?

J.C- Não, até momento se classifica em apenas um nível.

D.N- Quais os principais sintomas?

J.C- São bem parecidos com o da dengue, com febre, vômitos, mal estar, mas o que chama muita atenção é essa questão da pele vermelha com coceira que é mais destacado que a dengue.

D.N- Como identificar se o vírus é o Zika, Dengue ou Chikungunya?

J.C- O Brasil é o primeiro país a sofrer epidemias desses tipos de vírus e ainda não há nenhum tipo de kit diagnóstico, mas isso tem sido trabalhado e seria o ideal para saber com qual desses três tipos de vírus a pessoa está. Já a característica principal do Chikungunya é a extrema dor nas articulações e pode evoluir para a forma sub aguda e crônica, ou seja durar até meses. Já com o Zika e o Dengue são agudos mesmo, duram sete dias apenas. O difícil é a diferenciar os sintomas das três doenças.

D.N- Quais os perigos que a doença pode causar a gestantes? É verdade que pode causar microcefalia no bebê?

J.C- As mães relataram que tiveram os sintomas da Zika nos primeiros meses da gestação e essa criança nasce com perímetro encefálico menor que 33 centímetros, o que é considerado microcefalia. Essa questão está associada a retardo mental, então realmente é uma sequela grave de uma doença. Se pensarmos em largas proporções, em uma epidemia grave de Zika se realmente for provado essa relação, seria muito preocupante visto que essas crianças têm que ter um acompanhamento posterior após o diagnostico com fisioterapia, e também a parte da linguagem o que demandaria um acompanhamento profissional que vai ter que ser disponibilizado a essa criança. É preocupante pois, se tiver associado pode-se esperar uma aumento significativo de crianças com sequelas e com certeza isso onera o sistema público de saúde. Devido a essa preocupação, há uma equipe grande do Ministério da Saúde, da Fiocruz e outros profissionais que estão investigando bem essa situação. Isso devido ao fato de se ter outras doenças que geram microcefalia como sífilis, toxoplasmose, fatores como uso de droga durante a gestação, uso de algumas medicações, mas se nenhuma dessas variáveis sofreu grandes mudanças ao longo de tempo provavelmente essas infecções novas que foram introduzidas recentemente podem estar associadas a esse novo vírus. Então é de grande importância a gente se prevenir, a prevenção contra os três tipos de vírus que citamos é a mesma que é o controle do mosquito transmissor, em especial onde a ocorrência simultânea das três doenças como tem ocorrido no Nordeste.

D.N-Quais medidas os governantes poderiam adotar para evitar epidemias?

J.C- Como profissionais de saúde nós ficamos em uma situação bem complicada, está em fase de investigação a doença, está se supondo a ligação com a microcefalia e nós não temos nenhum tratamento específico para disponibilizar no intuito de reverter essa possível sequela para o recém-nascido. Ainda não temos dados de quantas pacientes que tiveram a Zika na gestação vão ter bebês com microcefalia, não temos tratamentos que revertam essa situação, enfim o único método que a gente tem no momento para lidar com essa doença é a prevenção ao mosquito, então é muito importante que a gente reforce essa ideia. O fato preocupante é que no momento que a mãe adquire essa infecção e posteriormente o recém-nascido desenvolver a sequela, terá que haver todo acompanhamento para essa criança e todo esse suporte é bastante caro para o SUS (Sistema Único de Saúde) e é preciso um comprometimento do Estado para realizar programas específicos de combate ao vetor e de tratamento a essas crianças o que é muito importante.

D.N- O que deve ser feito de imediato ao se identificar os sintomas de Zika?

Infectologista reforça sobre cuidados de não deixar água parada Infectologista reforça sobre cuidados de não deixar água parada

J.C- Para essas doenças não se tem um remédio específico. A recomendação é que se procure um médico para um tratamento de suporte. Para a dengue está bem estabelecida a parte da hidratação, para a Chikunguya a recomendação é de muitos analgésicos para a dor nas articulações, para a Zika anti térmicos para a febre e tratar a coceira, basicamente são essas ações.

D.N- O que deve ser evitado durante o tratamento da Zica?

J.C- No caso da Zika, ainda não há nada definido sobre proibições de medicamentos como na dengue. Como essa doença não está associada a evolução para quadros graves com óbitos, pra quem pegou a infecção tem que tratar os sintomas.

D.N- Então não há casos de morte?

J.C- Até o momento não se tem casos de óbito por Zica.

D.N- A infecção pelo Zika Vírus pode ter como complicação o desenvolvimento da Síndrome Guillain-Barré, -uma doença grave que quando não é tratada pode deixar e paciente sem andar e respirar, sendo potencialmente fatal- Isso pode ocorrer? Qual o perigo para o paciente?

J.C- Essa síndrome foi vista bastante no surto da Polinésia Francesa, ela gera paralisia, a pessoa perde alguns movimentos e precisa de tratamento específico. É um evento raro, mas está associado a Zika também e não existe um específico para Zika para prevenir a evolução para essa síndrome rara de Guillain- Barré, não dá para saber quais pacientes vão evoluir para isso. Se houver esse quadro tem que ser tratado, isso gera paralisia dos membros e é reversível, depois que passa a infecção geralmente ao longo de meses ela tende a sumir.

D.N- Quem pega a doença uma vez, fica imune?

J.C- Sim. A pessoa só contrai o Zika uma vez.

**D.N- Agora com a chegada do verão, a preocupação com a doença aumenta? O que deve ser feito?*

J.C- *O problema é que a gente não tem obtido muito êxito no controle do vetor já que essas epidemias são cíclicas e o recurso que é estendido durante o controle propriamente do vetor, cerca de R$ 1 bi ano para todo o Brasil, e a gente não consegue reduzir drasticamente esse vetor e ficamos sujeito a essas epidemias recorrentes. A solução é que todos se unam no combate e tenham essa consciência. *

D.N- Para lembrar, quais as medidas de prevenção?

J.C- Não deixar água parada em objetos espalhados pelo quintal, cuidar da limpeza também é fundamental. Não deixar a água da chuva acumulada sobre a laje ou telhado. O acúmulo de água é a porta de entrada para os mosquitos.


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