'Não devemos parar de consumir carne vermelha', afirma doutora em nutrição



A publicação de uma recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) de que o consumo de carnes processadas está relacionada à incidência do câncer foi um assunto que gerou ânimos exaltados. De um lado, defensores da pecuária acusaram a entidade de demonizar o consumo de carne. Do outro, adeptos do veganismo e vegetarianismo utilizaram a publicação como argumento para defender uma dieta alimentar em que carne e, principalmente, o bacon, não têm vez. Mas para a doutora Ana Paula Bazanelli, nutricionista e doutora em nutrição em nefrologista e também docente dos cursos de Nutrição e de Tecnologia em Gastronomia na Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo), houve uma interpretação equivocada da pesquisa da OMS. Em entrevista ao Jornal Midiamax, ela explica que o consumo de carne não pode ser abolido e defende o equilibrio nutricional na dieta do dia a dia. Em outras palavras, o bacon continua liberado, mas com moderação. Confira:

 

Por que a recomendação da OMS gerou tanta polêmica?

O que gerou mais pânico entre as pessoas é que, para a imprensa, a OMS colocou que o grau de evidência de que as carnes processadas causam câncer é equivalente ao grau de evidência de que o tabagismo está associado ao câncer. Em outras palavras, eles compararam que o consumo de carne é tão letal quanto a fumaça do cigarro. Esta é uma forma perigosa de conduzir a informação, porque 'grau de evidência' é diferente de 'risco'. É comum que aconteça isso. Quando se coloca uma informação científica para um público leigo, é comum que ela seja interpretada de forma errada.

 

Qual é a informação correta da publicação da OMS, então?

O estudo mostrou é que existe tanta evidência para associar o consumo de carne ao cãncer como o tabagismo à mesma doença. Mas temos que destacar que o impacto do consumo sobre o risco é bem diferente. Houve um ruído na mensagem e o que se entendeu foi que comer carne é tão letal quanto fumar. Esta informação está errada, até porque, por exemplo, quem fuma tem seis vezes mais chances, segundo dados da OMS, de desenvolver câncer que as pessoas que consomem carne processada. Essa nota da Anvisa veio mais para mostrar que precisamos, sim, ter uma dieta balanceada, que os alimentos processados têm muito sal e conservantes, que são alimentos nutricionalmente mal balanceados e que que deveriam, sim, ser evitados.

 

Evitados, e não abolidos, certo?

Exato. Não há esta necessidade. A OMS coloca de forma bem clara que não é para as pessoas pararem de ingerir carne, mas para diminuir o consumo, até porque isso vai trazer um benefício, a pessoa vai estar prevenindo outras doenças, como as cardiovasculares, obesidade, diabetes, hipertensão. As pessoas precisam ligar esse alerta, porque, de fato, existe uma associação com o câncer.

De algum modo a repercussão da recomendação da OMS pode impactar o consumo num Estado como MS, em que a cultura bovina é muito forte?

Acho que isso pode trazer um impacto positivo para a população e até deixar em alerta as pessoas que não tinham esse conhecimento. E quando um assunto desses entra em debate, o que se nota é que as pessoas ficam mais esclarecidas. Eu não acredito que afete o consumo diretamente, mas quando colocamos uma notícia de repercussão mundial, isso faz as pessoas refletirem um pouquinho mais sobre isso.

Nutricionista alerta para a distinção dos termos 'grau de evidência' e 'risco' de causar cãncer (Wilson Rocha)Nutricionista alerta para a distinção dos termos 'grau de evidência' e 'risco' de causar cãncer (Wilson Rocha)

Mesmo sendo um assunto que não é, exatamente, novidade...

Exato, é um debate que não vem de agora, não tem nada de inédito. O que a OMS fez foi reunir uma análise de 800 trabalhos falando sobre isso. Os oncologistas já sabem disso há um tempo. E o que nos preocupa é as pessoas entenderem isso de forma errada e deixarem de consumir carne. Além da carne processada, muitas reportagens também se referiram às carnes vermelhas em geral. Assim, temos que efetuar uma distinção: diminuir o consumo de produtos como bacon, linguiça, salsichas e presuntos é benéfico à saúde. Na verdade, deveríamos priorizar alimentos in natura ou minimamente processados. Isso já foi divulgado, a nota da OMS apenas reforça a importância de não ter esses alimentos no dia a dia.

 

Como fica a situação da carne vermelha frente à processada?

Sobre a carne vermelha, o grau de evidência é apenas de "provavelmente cancerígeno" e ainda sem conclusões definitivas. Cientificamente, isso significa que não devemos cortá-la da dieta, até porque é a fonte de proteína animal que contém aminoácidos essenciais do nosso dia a dia, além do ferro e da vitamina B12. Então o consumo deve ser apenas controlado, como um outro nutriente qualquer, como o carboidrato, como o lipídio... Mas nunca colocar no mesmo nível da carne processada, já que está já é considerada cancerígena para o humano, mas ainda assim, muito menos que o tabaco. São riscos diferentes.

 

A senhora acha que essa discussão pode fortalecer o debate crescente sobre veganismo?

Se mal interpretado, sim. Mas não muda o fato de que é interessante e saudável o estímulo ao consumo de vegetais. No entanto, sobrepor a dieta vegetariana sobre a onívora é errado, porque precisamos da proteína animal. A vitamina B12, por exemplo, só encontramos na carne. Precisamos ter em mente que uma alimentação saudável sempre vai recair numa questão de moderação. o que eu digo, em resumo, é que desde que se modere o consumo de tudo, sobretudo alimentos embutidos, é possível driblar os problemas de saúde oriundos da má alimentação.


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