A corrupção se tornou banal no País

Ministro do STF critica o conflito entre os Poderes Legislativo e Executivo, diz que a presidente Dilma está fragilizada e lamenta a banalização do roubo


ISTOÉ

Do seu gabinete localizado na cobertura do anexo 2 do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello tem ampla vista para a Praça dos Três Poderes e para o Palácio do Planalto. Mais do que pelo endereço, porém, ele se tornou um observador privilegiado do cenário político brasileiro em virtude dos 25 anos que ostenta como magistrado no STF. Nessa condição, Mello demonstra grande preocupação com o atual momento do País. “Vivemos tempos estranhos, com perda de parâmetros, abandono a princípios, o certo passa pelo errado, o dito pelo não dito. A corrupção se tornou linear e banal nos últimos tempos, como se fosse corriqueiro, como se fosse normal”, afirma.

Os temores do ministro decorrem também dos atritos entre os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o Palácio do Planalto. Na sua opinião, esse descompasso entre Legislativo e Executivo “divide e diminui o País”. Em se tratando de divisão, Mello ainda condena o comportamento maniqueísta do ex-presidente Lula. “Nunca tinha percebido o Brasil sendo enfocado com uma divisão de classes. Isso nunca houve no Brasil. Passamos a ter quando o ex-presidente Lula se referiu a “nós” e a “eles”. Isso não é bom”.

ISTOÉ -

A promulgação da PEC da Bengala é boa para o Brasil?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Em 2003, quando saíram do tribunal os ministros Moreira Alves, Néri da Silveira e Sydney Sanches, escrevi um artigo sobre o castigo da aposentadoria compulsória. Eu era um insuspeito, tinha 56 anos de idade. Hoje, a perspectiva de vida do cidadão é muito maior do que quando fixaram (a aposentadoria) em 70 anos. Considerada a situação da Previdência, em geral, ele deve ser estendido a todos os servidores. Eu sou favorável ao aumento para 75 anos da idade limite para permanecer no serviço público.

"Nós não precisamos mais de leis. O que nós precisamos é de homens que cumpram a legislação existente", diz o ministro do STF

ISTOÉ -

A PEC da Bengala foi aprovada agora quando os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) travam uma disputa pública com a presidente Dilma. Como o senhor avalia essa situação?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

O meu sentimento, quando a PEC passou, foi conflitante. Foi de alegria, ante a majoração para 75 anos, e de tristeza, porque tudo teria ocorrido em retaliação a chefe do poder Executivo. Quando há o esgarçamento das instituições, nós percebemos que a situação do País não é boa. Eu diria que nós vivemos tempos estranhos.

ISTOÉ -

O que o senhor vê de mais estranho?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

A perda de parâmetros e o abandono a princípios. O certo passa pelo errado, o dito pelo não dito. E, acima de tudo, um cinismo muito grande quanto à mentira, o que é horrível. Nós precisamos ser mais fieis aos fatos e, também, à lei das leis, que é a Constituição Federal.

ISTOÉ -

Por que isto está acontecendo?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Nós sempre tivemos corrupção. Mas, nos últimos tempos, notamos que ela se tornou linear, banal, como se fosse corriqueiro, como se fosse normal. Nós tivemos uma perda cultural muito grande. Talvez, ante esse fato, é que tenhamos o Legislativo fragilizado, o Executivo também fragilizado, neste descompasso que não é bom para a República. Hoje, como última trincheira do cidadão, com alguns percalços pequenos, temos o Judiciário. Agora, o que nós verificamos é que o sistema não fecha. O refrão da Copa do Mundo (de 1970), falava de “90 milhões de brasileiros em ação”. Hoje somos 205 milhões. O crescimento nestes 45 anos foi de cerca de quase 150%. Indaga-se sobre saúde, educação, segurança pública, habitação, transporte, saneamento e mercado de trabalho cresceram nesse diapasão? A resposta é negativa. Por isso o sistema não fecha. Tivemos um crescimento demográfico desenfrea­do e o resultado está aí, os jovens não têm oportunidade no mercado. A educação ainda engatinha no Brasil, é lamentável, e quando alguém começa a bater na tecla é rotulado como político de tecla única. Refiro-me ao senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Com isso nós continuamos aquém do que gostaríamos que fosse o Brasil.

"Passamos a ter divisão de classes quando Lula se referiu a 'nós' e a 'eles'. Isso não é bom"

ISTOÉ -

Que riscos o País corre em decorrência deste quadro que o senhor apresenta?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Eu preferiria ser otimista e cogitar uma correção de rumos, em que cada qual faça sua parte. Se assim ocorrer, e se houver uma compenetração maior dos homens públicos, principalmente, nós teremos dias melhores para os nossos descendentes. Precisamos que cada brasileiro busque atuar. Nessa vida, não há espaço para arrependimentos. Nós não precisamos mais de emendas constitucionais, não precisamos mais de leis. O que nós precisamos é de homens que cumpram a legislação existente. Aprendemos com os nossos pais que o exemplo vem de cima. Quem está no poder é que deve dar o exemplo.

ISTOÉ -

Hoje não estão dando bons exemplos?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Não estão dando. Nós constatamos isso. Este indesejável descompasso entre o Legislativo e o Executivo, será que ele soma? Não, ele divide e diminui o País.

ISTOÉ -

O senador Renan Calheiros e o deputado Eduardo Cunha estão entre as autoridades investigadas pela Operação Lava Jato. Isso contribui para conturbar o ambiente?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Ajuda. A leitura que o leigo faz é péssima, a partir do momento em que se tem suspeita de que aqueles que detêm o poder, em termos de cúpula, estão envolvidos em desvios de conduta. Isso é péssimo em termos de exemplo para o cidadão comum. Mas até aqui é só suspeita, pois as investigações ainda estão em um estágio embrionário. Nós só temos inquéritos.

ISTOÉ -

O fato de os presidentes da Câmara e do Senado serem investigados interfere nas decisões do Congresso?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Costumo dizer na área penal que, estando o cidadão sob os holofotes da persecução do Judiciário, ele tende a ficar mais alerta e adotar a postura que se aguarda do homem médio. Eu presumo que normalmente isso ocorre. Em segundo lugar, os dois presidentes integram dois grandes colegiados e não decidem sozinhos. (Temos) confiança nos representantes do povo, nos deputados federais e nos senadores. Que se busque, realmente, o que for melhor para o Brasil.

"Louvo a Polícia Federal, louvo o Ministério Público, louvo o juiz federal Sérgio Moro. Mil vezes ter-se até mesmo o excesso do que a apatia"

ISTOÉ -

O senhor acredita que os desdobramentos da Operação Lava Jato podem melhorar o Brasil?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Sem dúvida alguma. Louvo a Polícia Federal, louvo o Ministério Público, louvo o juiz federal Sérgio Moro. Mil vezes ter-se até mesmo o excesso do que a apatia. Nós só teremos no Brasil novo e melhores dias se atuarmos, se tornarmos efetiva a legislação de regência, do dia a dia em sociedade.

ISTOÉ -

Como o descompasso, que o senhor menciona, entre o Legislativo e o Executivo afeta a presidente Dilma?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Sinto-a muito fragilizada, não posso ser ingênuo. Sinto-a envolvida pelo sistema. Para mim, ela é uma pessoa honrada, mas que está envolvida pelo sistema. Evidentemente ela continuará governando e buscando, como deve ser, a correção para afastar as mazelas, não só no campo político, como também no campo financeiro.

ISTOÉ -

As condições políticas atuais permitem estas correções?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -**

A cadeira de presidente da República é uma cadeira de envergadura maior e ainda temos no Brasil homens bem intencionados. Não atende aos interesses da Pátria o esgarçamento das instituições. Não atende aos interesses da Pátria, a esta altura, a fragilização da presidente Dilma. Os esforços devem ser direcionados realmente para as providências indispensáveis a um Brasil melhor.

ISTOÉ -

A influência do ex-presidente Lula no atual governo é positiva para o fortalecimento da presidente Dilma?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Em primeiro lugar, não passa pela minha cabeça que a presidente Dilma Rousseff esteja no exercício simplesmente formal do Executivo brasileiro. Em segundo lugar, toda e qualquer influência externa é perniciosa. A influência deve estar estampada no exemplo.

ISTOÉ -

Nesse contexto, como o senhor avalia o comportamento do presidente Lula?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Eu me conheço como homem público há muitos anos, comecei no Ministério Público do Trabalho em 1975. Nunca tinha percebido o Brasil sendo enfocado com uma divisão de classes. Isso nunca houve no Brasil. Passamos a ter quando o ex-presidente Lula se referiu a “nós” e a “eles”. Isso não é bom. Todos devemos estar engajados na busca da grandiosidade do Brasil.

ISTOÉ -

Indicado pela presidente Dilma para o STF, o jurista Luiz Edson Fachin passou por uma sabatina muito dura no Senado e sua aprovação pelo plenário ainda não pode ser garantida. Por quê?

MINISTRO MARCO AURÉLIO MELLO -

Aquele que aceita um convite para preencher uma cadeira como a cadeira no Supremo se coloca na vitrine. Aí, evidentemente, o estilingue funciona. Agora, o candidato é um pensador do Direito, um acadêmico reconhecido internamente e externamente. Ele é, sem dúvida alguma, um grande quadro para o Supremo. A meu ver, a visão política distorcida retalia e fragiliza a chefia do Executivo. Mas eu acredito na sensatez, em termos de fidelidade de propósitos, dos senadores da República. Que atuem sem paixão, que atuem com pureza d’alma.


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