'Falta de debate e intolerância podem motivar conflitos políticos', diz sociólogo


Dourados News

Professor Guillermo Alfredo Jhonson é o entrevistado da semana - Fotos: Rodrigo Bossolani

A entrevista desta semana do site Dourados News é com Guillermo Alfredo Jhonson, 49 e abordará sobre as atuais manifestações contra e pró-governo brasileiro, suas causas e perspectivas na visão do profissional.

Graduado em Psicologia, com mestrado e doutorado em Sociologia Política, ele leciona na UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) desde 2009. De naturalidade argentina, Guillermo está no Brasil há 25 anos.

Em Santa Catarina ele concluiu os estudos e naquele Estado lecionou em Universidades de Itajaí e Blumenau.

O professor ministra aulas nos cursos de Psicologia, Relações Internacionais e Ciências Sociais, de acordo com ele, com foco em matérias que debatem democracia, Estado e política latino americana.

Para Guillermo, esses atos, principalmente as manifestações do dia 15 passado, foram gerados pela ascensão dos setores populares possibilitada pelo atual governo, que causa certa revolta na elite econômica e cultural do Brasil.

De acordo com ele, o governo tem também culpa diante dos movimentos, pois assumiu cumprir diversas demandas dos setores populares e tem feito isso cada vez menos.

Em relação ao impeachment, o cientista político diz que não há fundamentação para que se ocorra a ação. Ele defende ainda que essa seria uma tentativa de quebrar a institucionalidade e gera uma ideia de golpe.

Quanto a possibilidade de haver conflitos por conta desses movimentos, ele não descarta e atribui isso a falta de debate e a intolerância das pessoas atualmente com as questões políticas e sociais.

Dourados News- Como o senhor enxerga os recentes atos pró e contra o governo?

Guillermo Alfredo Jhonson- A gente tem visto um descontentamento da população em geral. Poderia se dizer que os acontecimentos de junho de 2013, com as mobilizações que começaram em São Paulo e se espalharam pelo país contra o aumento das passagens de ônibus e que depois acabou ganhando dimensões significativas e chamaram a atenção do mundo todo e surpreendeu em geral é um prenúncio do que a gente está verificando nos últimos tempos. O que pode-se observar é que o atual governo tem tentado atender algumas demandas dos setores mais pobres da população e isso com a ampliação de políticas sociais e estatais de forma geral, inclusive com a criação das universidades e vários espaços públicos, tentando assim diminuir a desigualdade social de alguma maneira. Foi o que também vinculou essa questão em uma tentativa de responder as demandas da sociedade. Então a luta por uma melhor condição de vida para todo mundo, é uma luta antiga por todos os lados. Ainda considerando o fato de que o Brasil tem sido uma sociedade persistentemente desigual.

DN - Desigual em que sentido?

GAJ - Faz muito tempo que nós temos o fato de que 10% da população concentram mais de 50% da riqueza e 40% da população fica com 8% da riqueza produzida. Isso são dados do IBGE e isso não mudou nem com o bolsa família, nem com nada disso. Esse fato da desigualdade é o que tem motivado os setores a se organizarem e tentarem colocar um governo que seja mais simpático a essas demandas. Essa não é uma questão somente do Brasil, é um contexto latino americano. A mídia não mostra, cada vez que há algo do Chaves, do Moralles, da Kristina Kirtcher só falam mal. A manipulação de informação leva a uma desinformação significativa e tende a fazer com que as pessoas não tenham elementos para construir uma outra leitura da realidade. Esse é um fator significativo para entendermos a massividade da organização contra o governo e tem uma série de detalhes significativos para podermos entender essa situação. Mas, na prática digamos que a ascensão desse momento, dos setores populares aí, tentando satisfazer suas demandas.

DN - Como assim?

GAJ - A luta pela terra, por moradia, por um transporte público de qualidade, educação e saúde, são lutas históricas que vem desde a época da ditadura militar e que vão se consolidando. Uma situação muito complicada é que a elite econômica e cultural do Brasil, como também boa parte da região tem se revoltado com essa situação. No Brasil há uma cultura autocrática antiga através do coronelismo, patrimonialismo, que são uma série de aspectos da cultura política que mantem uma relação de desigualdade na sociedade e que permite a conivência por assim dizer dos setores subalternos. Então, até hoje a gente pode ver na relação da agricultura de uma forma geral, uma relação muito de dominação e subserviência, o que é algo muito antigo. Os setores dominantes da sociedade não tem interesse, nem vontade de dividir os seus privilégios com os pobres, ao contrário, isso faz com que estes façam atos contra o atual governo, pois, são contra a igualdade, não tem nenhum apego a democracia. Para manter esses privilégios não interessa o que deva ser necessário fazer. Pode-se utilizar a violência de novo como foi na época de 64 e qualquer mecanismo para poder manter esses setores. O que escutamos é muita gente reclamando do bolsa família mas pouca gente sabe, a folha de São Paulo noticiou, é que no ano passado o dinheiro que os bancos internacionais levaram é um valor dez vezes maior que o bolsa família. Isso a gente não escuta nenhum jornal falar. Então os bancos merecem levar dez vezes o dinheiro do bolsa família que é distribuído entre milhões de pessoas e aí você tem a ideia de que alguns poucos banqueiros vão levar um monte de dinheiro. Isso todos os anos. Veja só essa questão de como se constrói a desigualdade e esses setores dominantes, querem preservar a desigualdade que os favorece. Para eles é ofensivo que os pobres peguem um avião ou que consiga compartilhar espaços que antes eram exclusivos deles. Isso é um elemento cultural muito forte. A gente observa isso aqui em Dourados de forma categórica, chego a ficar impressionado com essas coisas. Na verdade esse setor dominante é excludente, preconceituoso, porque é necessário sempre criar termos de exclusão, mostrar que merece e os outros não. Na verdade não há critérios para meritocracia, isso é um absurdo. É uma discussão criada para poder na verdade falsificar a desigualdade na sociedade. E diz que aqueles que têm é porquê mereceram e os outros não. Qual é o critério para dizer que uns merecem e outros não? Não há critérios. Essa é a questão. Que alguém me diga qual é o critério. Por isso justamente a meritocracia leva a tentativa de acabar com a igualdade. E essa é a bandeira mais antiga da época da Revolução Francesa, é bom lembrar, do século XVIIII. Esse movimento é tão regressivo historicamente que ele volta atrás antes do século XVIIII, quase que monárquico. Muitas vezes os meios de comunicação incitam a discussão de uma forma geral, não há debate mais –contra ou favor-. Se você fala alguma coisa a favor, você é “petralha”, se você fala algo contra, você é “tucano”, não tem mais debate e isso é um problema muito grave, quando se chega a esse ponto. A tendência é uma polarização que leva cada vez mais as pessoas a não se falarem. Isso com o fato por exemplo, desse ato do final de semana contra o governo, cinco milhões de amizades foram desfeitas no Facebook. Isso acaba levando a um nível que você não tem mais como conversar com as pessoas pela intolerância, que caracteriza essa visão dos contra o governo. São intolerantes com a pobreza, com as questões homofóbicas, de aborto, não tem conversa.

D.N- Em sua opinião, essas manifestações acrescentam o quê na sociedade?

G.A.J- Na prática vai se acumulando uma série de críticas ao governo e a questão é qual é a saída. E é o que não está sendo discutido. Seria aumentar a igualdade, ou como alguns dizem pender para aumentar a desigualdade. Essa que á questão. Os setores majoritários que estão no âmbito dos meios de comunicação, que tem o poder destes e os setores dominantes financeiramente tem a tentativa de aumentar a desigualdade, isso é bastante evidente hoje. Inclusive eu vi a repercussão da mídia internacional os atos foram compostos majoritariamente por pessoas brancas e o Brasil é um país de maioria de mestiços, negros. E aí na verdade que tende a ganhar essa polarização se o governo não intervir de maneira significativa são os setores dominantes economicamente. Na verdade o governo tem também culpa em tudo isso em boa parte digamos. Ele assumiu para cumprir as demandas dos setores populares e tem feito isso cada vez menos. Tem pendido a atender mais o agronegócio, mais as empresas, as multinacionais e tem deixado de lado aquilo que se esperava que fizesse. Então na prática, o governo tem alimentado de forma significativa esses setores e eles querem sempre mais.

 

D.N- No seu modo de entender, o que levou a população às manifestações de domingo?

G.A.J- Como citei, o descontentamento está generalizado. Nas eleições recentes a polarização no segundo turno foi bastante acirrada, pelo fato de que os setores que perderam a eleição não aceitaram, mas justamente essa visão que vai ser fortalecendo da ideia de que todo mundo terá acesso aos bens. Então se você trabalha, tem um bom salário vai viver bem em sociedade. Quem não faz isso é porque é preguiçoso, vagabundo, como se o mercado fosse um espaço igual. Mas, bem longe disso, ele não é um espaço democrático. Liberdade de mercado nesse momento é a pior das ficções possíveis. Não há isso num mercado que é altamente monopolizado. Vai competir com a Coca-Cola por exemplo, ou com a Gilette, Syngenta. Não tem chance. A ideia de privatizar, muitos acham que vai resolver tudo, mas, não é bem assim. Quando fala em privatizar, só quem pode comprar é que tem acesso. Em lugar nenhum deu certo privatizar. Falta mais debate sobre isso.

D.N- Como funciona o processo de impeachment?

G.A.J- Não há nenhuma fundamentação que permita levar a frente essa discussão. Na época do Collor [Fernando Collor de Melo, presidente entre 1990 e 1992] se falava em corrupção e teve elementos claros que o colocaram como envolvido nisso. O que há por agora é uma construção significativa dos meios de comunicação que tentam vincular o partido do governo com as questões vinculadas a corrupção. Então, nesse sentido eu não acho que procede em absoluto. A presidente acaba de começar um segundo mandato e já estão querendo a tirar. Na verdade há outros interesses em jogo que não isso. Inclusive ela foi julgada há três meses. E também que maior julgamento há se não a eleição que se teve ano passado. Essa tentativa de quebrar a institucionalidade gera uma ideia de golpe, seja militar ou cívico. Isso é inevitável e o golpe significa na verdade como falei anteriormente tentativa dos setores dominantes de retomar o poder. Para se haver um impeachment de fato tem que haver uma comprovação de que de alguma forma o governo não cumpriu as questões legais. O que está se fazendo no momento é forçar a porta, é tentar construir um clima que leve a isso. Não é diferente do que está sendo feito em países como a Venezuela, Argentina, Equador. São processos semelhantes e que estão vinculados a disputa do poder de forma internacional.


D.N- Explica qual seria essa ligação a nível internacional.

G.A.J- Há uma disputa na questão do petróleo a nível internacional e com relação ao controle da energia, do mercado em si. E nessa disputa o Brasil entra sempre de forma subordinada aos países mais ricos. Quem coloca o preço do que vai ser produzido aqui são os outros países. Não temos nenhuma soberania em relação a isso. Na questão dos carros, por exemplo, todos as empresas são multinacionais. Todos nós sabemos que um carro que é produzido aqui é vendido no México com um preço de 60% menos do valor que pagamos. Na Argentina 30% a menos. Que nacionalismo é esse? A saída para isso tudo seria de repente fazer com que todo mundo tenha acesso real a educação pública de qualidade, saúde e todos os direitos sociais. Só o que está na constituição já seria um bom começo, feito na prática, pois nunca tivemos nada disso.

D.N- Existe a possibilidade de ocorra um impeachment?

G.A.J- Se o governo não fizer nada contra isso vai acontecer e este não tem feito nada praticamente. Na medida em que tenta responder essas questões de corrupção... Mas o Brasil foi construído na base da corrupção e quando não é corrupção é corruptores. Muitos acham que as empresas são santas, na verdade é uma relação de dois lados. E no Brasil nunca se falou de corruptores, só de corruptos. Se a gente for parar para pensar de onde vem o dinheiro aí a coisa é outra. Se o governo não abre realmente essas questões e as colocar para discussão, aí vai ficar na verdade como está até agora e não vai mudar a realidade. A tendência é que na prática esses setores que estão aí se colocando provavelmente venham triunfar. O governo deveria esclarecer para a sociedade tudo que está acontecendo e mudar os rumo da política. Uma coisa que a presidente fez foi atacar os direitos trabalhistas, e com isso o povo vai pensar que esse governo é seu? Fica difícil. Na medida em que não se atende os setores populares não há reversão. Ficar explicando corrupção, por um ou outro atrás das grades não vai satisfazer os setores dominantes de jeito nenhum, vão querer cada vez mais. E cada vez mais vai incriminar de qualquer maneira porque uma mentira repetida muitas vezes se torna verdade. Os nazistas que o digam. Isso é muito fácil de fazer com os meios de comunicação nas mãos. Foi surpreendente por exemplo, no domingo (15), a gente não vê cobertura de 12 horas de Globo News, de Record News, em quase nenhuma circunstância. Aí eles ficaram fazendo cobertura dos manifestos contra o governo por todo esse tempo. Como eles fazem isso se não haver nenhum interesse por trás? Então é bastante estranho, digamos.

D.N-Quem sairia ganhando com isso [impeachment]?

G.A.J- Como falei, os setores conservadores que defendem uma ideologia regressiva na sociedade. Voltar a defender a desigualdade, voltar a defender os privilégios para os ricos. Nós temos sofrido uma inversão de valores, por exemplo, algo que escutamos nas rádios de Dourados que não tenho mais nem estômago para escutar que vive falando que o povo é privilegiado, que os ricos são os explorados, isso é revoltante, sinceramente. Então assim, o que esperar se os formadores de opinião fazem isso?

D.N- Como o senhor avalia o processo democrático no país?

G.A.J- Tem regredido muito ultimamente. Quando os atuais governistas eram oposição, tinham uma série de métodos de participação política que depois quando chegaram ao poder, eles perderam força. Uma série de espaços participativos que perderam força e foram deixado em outras mãos e hoje a presidente faz dois anos praticamente que não recebe os movimentos sociais, então assim fechou o diálogo com os setores sociais que na prática levaram ao governo e abriu as portas para outros setores sociais que teoricamente seriam contra ela. Na prática digamos, o processo democrático em si acaba sendo prejudicado. Os setores dominantes não tem muito apego a democracia porque independentemente do sistema que estiver vigente eles são beneficiados, não erraram na história latino americana que quando os setores dominantes se sentem ameaçados, deixam a democracia de lado, haja vista a quantidade de golpes militares que tiveram no século passado.

D.N- Existe um processo de saturação de poder por parte da população? Ou seja, pela mudança de quem governa?

G.A.J- Acho que não é bem isso. Na prática quem está cansado são os setores dominantes que acabam através dos meios de comunicação e dos mecanismos que tem de utilizar para convencimento em relação a isso para poder digamos, procurar uma mudança. É bastante triste ver, por exemplo, um feirante ou um rapaz que entrega gás na sua casa, ou o que lava seu carro defender que as pessoas tem que ter meritocracia. Está falando mal de si mesmo. Tão incrível o poder dessa visão ideológica que na prática ele acaba aceitando que está assim porque merece mesmo, é triste escutar isso. As pessoas acreditam que algum momento vão melhorar de vida, mas, não tem mais horizonte para melhorar, então isso é muito complicado.

D.N- Como estudioso, a situação do Brasil hoje se compara a algum país da América Latina? Qual?

G.A.J- Bastante difícil comparar, pois cada um tem especificidades bastante diferentes. Inclusive o Brasil é tomado por alguns setores de referencia na América Latina pelo que se avançou e tudo mais. Poderia se dizer, por exemplo, que um país que avançou socialmente foi a Bolívia incluindo setores renegados e também o Equador que incluiu bastante gente e sofreu diversas ameaças de golpe militar e tudo mais. O Equador pelo menos se enfrenta com a mídia, o Brasil é o único praticamente da América Latina hoje que com uma visão um pouco mais progressista não se confronta com os veículos de comunicação de massa. Bolívia e Argentina também confrontam.

D.N- O Senhor acredita que haja a possibilidade de golpe?

G.A.J- Por enquanto não existe a possibilidade, só que se não se mudar a política como falamos anteriormente, essa relação do governo com os setores populares, com bastante certeza os que querem tirar a presidente do poder vão conseguir. Se não há uma reação da população, porque esses são minoritários, como não há uma outra opinião na sociedade, os setores minúsculos da sociedade como os integralistas, os neo nazistas, que são grupeiros super pequenos acabam tendo destaque na sociedade, o que é ridículo. Aqueles revoltados online por exemplo, são um bando de loucos e acabam sendo colocados como referencia de alguma coisa. Veja só onde estamos chegando, é complicado.

D.N- Para encerrar, você acredita que essa briga de prós e contra governo federal que iniciou-se nas eleições de outubro, principalmente através das redes sociais e se mostra mais agressiva recentemente possa acabar em tragédia por conta da intolerância das pessoas?

G.A.J- Pode acabar devido justamente por poder ser a faísca para deflagrar qualquer processo tanto para um lado ou para outro. Há muitos setores destes pequenos que falei que adoram a escaramuça para poder justificar a vingança e isso vai criando cada vez mais problemas de confronto e polarização social. Isso na medida que não se construa um debate, a tendência é um confronto cada vez maior. O fato que estamos vendo hoje, sem nenhum espaço de debate e de se desfazer amizades por conta de intolerância pode acabar levando a isso. E os meios de comunicação também, pois vivemos tão conectados, mas, estes são concentrados nas mãos de umas poucas pessoas que tem interesses próprios que não são públicos e esses setores acabam influenciando nossa vida diariamente através de novelas, propagandas e tudo mais e vai por construir uma visão de sociedade teoricamente melhor. A questão é melhor para quem, né?


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