“A superlotação causa vários problemas na PED, o clima é de tensão”, relata presidente da comissão dos direitos humanos OAB



O advogado acompanha há anos os problemas da PED (Foto: Rodrigo Bossolani)

A entrevista da semana do site Dourados News é com o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados Brasileiros) no município, Márcio Fortini.

Natural de Dourados, Márcio atua há 19 anos como advogado na área criminal e ocupa o atual cargo na OAB desde 2012.

Ele é pós-graduado em processo civil e possui mestrado em direito constitucional.

O advogado acompanha há anos os problemas da PED (Penitenciária Estadual de Dourados) e nesta entrevista irá relatar mais sobre estes, o qual o maior atualmente é a superlotação. Antes de assumir a presidência, Márcio foi membro da comissão por seis anos e atuou como conselheiro. Atualmente ele também é conselheiro estadual da OAB.

Com praticamente três vezes mais presos do que a capacidade ideal, o PED enfrenta grandes problemas, o que gerou um princípio de rebelião há cerca de 15 dias. Para o presidente o clima atualmente ainda é tenso.

De acordo com Márcio, uma das alternativas emergenciais que auxiliariam tal situação seria um transferência de presos, porém, ele cita que não se tem onde coloca-los no Estado. Outra hipótese defendida é a privatização na qual o presídio funcionaria em partes como uma grande empresa.

No ano passado, a OAB encaminhou relatório aos órgãos responsáveis alertando sobre os problemas desencadeados com o déficit carcerário. Segundo Márcio, nada foi feito e a situação piora a cada dia.

Com isso, haverá uma reunião com o secretário de segurança e justiça do Estado, Silvio Maluf, em busca de alternativas para melhores condições no local.

Quanto a possível interdição dos agentes penitenciários nas unidades prisionais de Mato Grosso do Sul, não recebendo mais presos, Márcio acredita que geraria novos problemas como a impossibilidade de investigação policial e assistência a população, além da superlotação de delegacias.

Para ele, é necessário que o Estado tome atitudes imediatas e também a longo prazo para a resolução dos problemas na PED.

Dourados News- Qual a capacidade total da PED e quantos internos estão em seu interior?

** Márcio Fortini**- Capacidade dela é para 780 presos e os últimos números que tive acesso na semana passada indicam que existam no local, 2,2 mil. Ou seja, em torno de três vezes mais do que a capacidade. Acompanho os problemas na PED há tempos. Na rebelião em 2006, auxiliei na negociação, era membro da comissão naquela época. Foi bem tenso, chocou Dourados que nunca tinha enfrentado uma rebelião daquela proporção e nós acompanhamos de perto do início até a resolução do motim, que aí veio a força nacional, e tomou conta. O presídio foi totalmente destruído, ficaram só as paredes.

D.N- Esse déficit de vagas tem causado muitos problemas lá?

M.F- Vários. Desde acomodação, problemas hidráulicos, sanitários, problemas de saúde, falta de vagas para trabalho, déficit de assistência médica. Tem outros, mas esses são os que mais os internos reclamam. Aí fora isso, se tem um número reduzido de servidores para cuidar desse contingente todo de preso, tanto é que está tendo essa movimentação dos servidores pedindo melhorias e uma das solicitações é diminuir o número de internos e aumentar o número de agentes.

D.N- Quais os mais recentes problemas enfrentados?

M.F- Decorrente desses problemas o que aconteceu e chamou a atenção foi o princípio de rebelião há 15 dias. E agora na semana passada houve outro principio de motim, teve queima de colchões lá, aquela coisa toda e a movimentação dos agentes penitenciários que estão buscando melhorias e reduzindo o atendimento, as atividades internas do próprio presídio e que aí ocasiona um problema nos atendimentos dos advogados, dos próprios familiares, das visitas, enfim, é um ciclo de problemas que decorrem um do outro, que é da própria superlotação.

M.F- Há duas semanas o clima ficou tenso no local, como o senhor enxerga isso agora?

 

M.F- Sim, tem sido tenso. Isso fez com que as forças de segurança tomassem uma atenção redobrada no local e dos próprios agentes que mesmo em número reduzido estão fazendo um trabalho em busca de manter o mínimo de segurança possível na unidade. Agora, o clima ainda causa tensão, estamos até agendando uma reunião com o secretário de segurança pública para tratar desse assunto que nós sabemos que é um problema estadual, mais latente em Dourados. Isso será para nós buscarmos melhorias e ouvir do órgão de segurança do Estado o que ele tem para nos dizer sobre isso. Tivemos contato através do delegado Carlos Videira e ele ficou de agendar essa reunião que depende também da agenda do governador.

D.N- Pode se considerar a PED um barril de pólvoras perto de explodir?

M.F- Eu não gosto de usar esse termo pois você pode dar munição para quem está lá. Todo presídio ele é passivo de rebelião, agora o clima é tenso sim, tem que haver uma atenção redobrada por parte dos órgãos de segurança, isso é indispensável. É uma penitenciária de segurança máxima e como tal ela tem que estar preparada 24 horas, tendo superlotação ou não.

D.N- O que deve ser feito ali?

M.F- Olha, de imediato seria a transferência de presos. Mas, para onde se estão todos superlotados? Uma tendência que tem hoje, que se estuda e poderia melhorar a situação seria a privatização dos presídios. Colocar na iniciativa privada a administração dos presídios com as penas sendo monitoradas pelo judiciário, num sistema em que o preso ele se pagaria, ele não seria um ônus para o Estado. Ele iria produzir e seria pago e parte disso reverteria para sua manutenção lá, como qualquer pessoa, qualquer casa, qualquer lar. Então essa é uma questão a ser pensada já se tem alguns modelos no Brasil, salve engano tem uma unidade no Paraná, enfim tem muita resistência quanto a isso, mas é de se pensar, acho que seria o único caminho, pois, o Estado demonstra que não tem condições pela falta de estrutura, pela burocracia, por não ter condições de fazer novos presídios, pelo custo, pela dificuldade de contratar novos servidores e até dele permanecer na função, pois passam aí 30/ 40 agentes locados em determinado presídio e eles buscam logo em seguida outros concursos. Isso houve no Estado, há outra oportunidade melhor de trabalho e com menos risco, eles tendem a abandonar aquela carreira, muitas vezes sem ao menos ter começado o exercício.

D.N -Dê mais detalhes sobre como seria de fato a privatização do presídio.

M.F- Você coloca a administração do preso para a iniciativa privada. Aí esse presídio é administrado como uma empresa e lá dentro são desenvolvidas atividades remuneratórias. Com essas atividades, o preso é ressocializado de fato, pois ele está se inserindo no mercado de trabalho, aquilo que ele produz reverte uma parcela para ele como salário e a outra parcela vai para pagar as suas despesas. Aí o Estado para de tirar o dinheiro do bolso, é ao contrário, o Estado recebe para aquelas instituições administrarem. É uma saída boa que tem resistência mas é de se pensar e de ser estudada.

D.N- O que a comissão de direitos humanos da OAB tem feito para tentar acalmar os ânimos ali dentro?

M.F- Desde o início de 2014 nós recebemos uma comissão de pessoas ligadas aos presos, familiares, nos procuraram na OAB relatando todos esses problemas que são mais contundentes e que a gente sabe que decorre da superlotação. Naquela oportunidade nós instauramos um procedimento para acompanhar isso. Fomos até o presídio para ouvir as principais reivindicações desses presos e fizemos um relatório com algumas recomendações que foi encaminhado aos principais órgãos do país – presidência da república, secretaria de direitos humanos da presidência, Senado Federal, Ministério da Justiça, Câmara de Deputados, Ministério Público Federal, Estadual, governo do Estado, Secretaria de Segurança Pública, poder judiciário e Assembleia Legislativa- e desses apenas dois órgãos responderam que foi a Câmara dos Deputados e a Agepen (Associação dos Agentes Penitenciários) que é ligada a secretaria de segurança pública, dizendo que iam averiguar o problema e tomar as providências. Nada foi feito. De lá para cá os problemas relatados só vem aumentando. Mas esse procedimento ele está instaurado e corre na OAB local, documentado. Essa é a forma que a comissão de direitos humanos pode agir, porquê nós não temos poder de decisão, temos poder de acompanhamento. Somos observadores e na medida do possível nós fazemos as cobranças aos órgãos que são responsáveis.

D.N- Que tipo de preso existe dentro da penitenciária e como é a vida deles no local?

M.F- A maioria pode-se dizer que 60 ou 70%, os presos estão relacionados ao tráfico de entorpecentes, o que acontece pela nossa localização geográfica. A fronteira é um “corredor” de transporte de drogas, então é comum que o nível maior de presos seja pela prática desse crime. Depois temos os homicidas, os latrocidas, os responsáveis por crimes contra a integridade sexual. Pelo que temos conhecimento em torno de 35% dos presos estudam e trabalham lá dentro. Eles desenvolvem as atividades e a cada três dias trabalhados, eles têm um dia de remissão da pena deles, é um incentivo para que trabalhe. Só que devido a superlotação, nem todos tem essa oportunidade. Daí é feita uma seleção por parte de administração penitenciária, daqueles presos que se enquadram em determinado perfil e é dada essa oportunidade. Agora, todos deveriam trabalhar, todos deveriam estudar, mas, a superlotação faz com que isso não seja possível.

D.N- Existe ainda a ameaça de rebelião?

M.F- Em qualquer presídio existe a ameaça de rebelião que pode sim ser potencializada com a superlotação.

D.N- Quem estaria comandando essas ameaças?

M.F- Os órgãos de segurança tem o controle disso. Nós não temos acesso a isso. Mas, são dados a grupos que se denominam facção criminosa que estariam por trás desses movimentos.

D.N- O que precisa ser feito urgentemente para que a ‘paz’ possa voltar ao local?

M.F- Seria a transferência de um número razoável de presos para outras unidades que dispunham de vagas. Agora o difícil é que não temos isso. Poderia se também transferir presos que estão aqui e são de outros Estados, já que eles têm direito de cumprir pena perto de seus familiares. Poderia se conceder liberdade provisória aos presos que não são condenados e que tem o perfil para responder em liberdade. Poderia ser feita uma revisão dos processos criminais que alguns presos tem direito, com progressão de regime prisional. Um mutirão carcerário nós também estamos buscando junto ao judiciário para rever as penas, pois alguns poderiam estar no semiaberto. Essas são coisas que poderiam ser feitas de imediato que surtiriam efeito para amenizar esses problemas.

D.N- Quantas facções criminosas agem ali dentro?

M.F- Não dá para ter ideia sobre isso.

D.N- Essas ações feitas recentemente pela Polícia Militar para tentar conter os ânimos, dá resultado?

M.F- O resultado que dá é que nessas ações eles conseguem recolher materiais de comunicação dos presos como celulares que não deveriam estar lá. Acontecem as apreensões de entorpecentes e armas artesanais. Essas ações são nesse sentido e também para identificar supostos líderes e isolá-los. Já os dias de visita que a polícia acompanhou recentemente foi devida a uma informação que poderia se ter a retenção dos familiares, mas, o preso quando fala-se em família eles não gostam de mexer muito pois, eles estariam prejudicando aqueles que vão visitá-los. A vigilância ali é 24 horas.

D.N- Como é o clima nos dias de visita de familiares ao local?

M.F- A atenção da segurança é redobrada. Mas, como eu digo, quando o preso está envolvido com a família, ele aproveita ao máximo aquela oportunidade, pois às vezes ele não tem aquela visita toda semana. Em algumas vezes o familiar vem de outro Estado ou cidade, então é relativamente calma nesse sentido. A atenção da segurança se redobra também com aqueles mais afoitos que tendem a causar problemas nesses movimentos. Mas, em termos gerais, diria que o clima é tranquilo.

D.N- Como é feita a divisão de internos nos raios?

M.F- São feitas de acordo com a classificação interna da penitenciária. A administração divide de acordo com a conveniência deles por motivos de segurança.

D.N- Sobre a ação dos agentes de não receberem novos presos, o que isso poderia causar?

M.F- Segundo o que fiquei sabendo eles procuraram o ministério público, para que órgão entrasse com uma medida judicial de interdição dos presídios. Eles querem que a pessoa quando for presa não vá para o presídio, fique na delegacia. Então em pouco tempo nós vamos ter o problema dos presídios nas delegacias já que o policial não vai mais poder investigar os crimes, dar assistência a população e cria-se outro problema a superlotação de delegacias. É um círculo que aumentaria o problema.

D.N- Qual o risco para a população se os presos se rebelarem ali?

M.F- Para a população o risco maior e se houver uma fuga em massa, o que eu não acredito que vai acontecer. O problema disso é o confronto entre os próprios internos que não tem um convívio harmonioso, a segurança das pessoas que lá trabalham como agentes e outros profissionais que tem lá, psicólogos, assistentes sociais, empresas prestadoras de serviços, a sociedade que está envolvida no sistema. Um problema para a comunidade em geral, seriam as pessoas que poderiam vir de fora para dar apoio a eventuais fugas, trocas de tiro, bala perdida, enfim esses tipos de situação. Teve uma época que vieram pessoas de fora para tentar insuflar uma rebelião e teve confrontos, mortos, atiraram em guardas municipais, isso em meados de 2006. O preso não pode ser visto isoladamente, ele tem uma família por trás dele e visualizá-lo isoladamente é fechar os olhos para a realidade. Quando a comissão de direitos humanos atua é para resguardar os direitos dos presos, das pessoas que trabalham nas penitenciárias, dos familiares dos presos e da sociedade em geral. Se a lei afirma que a pessoa tem que ser presa quando comete um delito, a mesma estabelece regras para o cumprimento de pena e buscamos que isso seja cumprido. Buscamos o cumprimento da lei para com quem está em liberdade também. Sempre que há um problema que envolve direitos das pessoas como integridade física, saúde, liberdade ou a prisão indevida, nós somos chamados para dar assistência e orientação.

D.N- Sobre a reunião que haverá com o secretário de segurança Silvio Maluf, qual sua expectativa?

M.F- Nós vamos levar a nossa preocupação mas, temos certeza que o secretário já tem conhecimento porque ele tem uma equipe que trabalha com ele nesse sentido. Nós queremos ouvir do Estado quais serão as ações mediadas e imediatas, ou seja, as que serão aplicadas agora e as do futuro. Queremos entender o plano que eles têm para resolver esse problema e termos essa paz social tanto daqueles que cumprem a pena, dos que trabalham com eles e da sociedade, essa é a nossa perspectiva.


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