'O menor está ficando mais violento em decorrência do insucesso familiar', destaca delegado


Dourados News

A entrevista desta semana do Dourados News é com o delegado José Jorge Cury, 58, que atua a frente da Delegacia do Menor Infrator do município. Natural de Baurú-SP e também formado em Direito está em Mato Grosso do Sul há 24 anos e há 30 atua como delegado.

Já trabalhou em delegacias de Rio Brilhante, Itaporã e Nova Andradina antes de assumir em Dourados, no ano de 2008.

Para Cury, o insucesso da estrutura familiar é o principal fator que contribui para a inserção das crianças e adolescentes na criminalidade e destaca que muitas vezes, com os inúmeros compromissos que os pais possuem, não conseguem dar atenção devida aos filhos que acabam se deixando influenciar por más companhias.

Ele cita que muitas famílias atualmente estão “desarrumadas” e às vezes prejudicam os filhos ao tentar substituir a ausência cotidiana que se tornou inevitável, com presentes caros.

Outro aspecto criticado veemente pelo delegado é a falta de controle dos pais no uso em excesso dos smarthphones, que acabam por se expor demais nas redes sociais ou aderem ao a moda da “ostentação”.

Apesar de tudo isso, Cury disse que o índice de criminalidade entre menores nos últimos anos tem se mantido.

O delegado cita que a porcentagem de menores que não volta para a criminalidade após passar pela Unei (Unidade Educacional de Internação) ainda é pequena e que esse sistema de ressocialização deveria ser revisto.

Outra opinião do profissional é que as escolas no país deveriam ser mais atrativas as crianças para que estas fossem mais motivadas a buscarem um futuro melhor.

Confira e entrevista na integra:

O delegado cita que a porcentagem de menores que não volta para a criminalidade após passar pela Unei é pequena. (Foto: Gizele Almeida) O delegado cita que a porcentagem de menores que não volta para a criminalidade após passar pela Unei é pequena. (Foto: Gizele Almeida)

Dourados News- Quais fatores favorecem para que o adolescente entre para a criminalidade?

José Jorge Cury- O que favorece o menor a se delinquir é a falta de estrutura familiar.

D.N- Além de roubo, tráfico, eles tem se envolvido em crimes brutais, o que motiva isso tão precocemente?

J.J.C - Existem várias questões. Companhia, ausência do menor no ambiente escolar, falta de mais intransigência dos pais no comportamento dos menores e também a droga que é uma decorrência da falta do acompanhamento familiar, pois, na verdade a criança vai praticando o ato infracional na ausência da família. Muitos pais hoje precisam trabalhar, e as crianças ficam sozinhas. Aí não querem estudar, não vão à escola, juntam com uma turminha que já faz coisas erradas e praticam. Na verdade a criança é dócil, ela vai se tornando infratora em decorrência das companhias dela. Tudo parte do princípio que o menor está ficando mais violento em decorrência do insucesso familiar. Normalmente as pessoas, as mais humildes chegam a achar que a delegacia está aqui para educar. Não estamos aqui para educar, estamos aqui para punir a criança ou adolescente que pratica o ato infracional. Cabe a família, a igreja a socialização familiar destes educá-los.

D.N- Há algum levantamento do número de menores na criminalidade em Dourados?

J.J.C - Acredito que esse índice tem se mantido. Talvez até diminuído. A Guarda Municipal tem feito um bom trabalho, tem dado êxito e melhorado situação.

D.N- Acredita que por estarmos em região de fronteira, os menores tem sido facilmente “coagidos” para fazerem parte do tráfico de drogas?

J.J.C - Não coagido, mas, a facilidade de encontrar droga e arma na região, isso com certeza é muito maior. Por exemplo, aqui em Dourados apreende uma tonelada de maconha, 10 toneladas de maconha. Em São Paulo, prender 10 quilos ou 100 quilos já é mais difícil. Então o a grande facilidade é essa produção de drogas que vem do Paraguai que também está se dedicando ao tráfico de cocaína, facilita mesmo que o menor que já está com índole de delinquente consiga ir por esse caminho. Muitos deles vão de bicicleta buscar droga no País vizinho. Não acredito que seja por coação, pode até haver, mas a facilidade em achar a droga que facilita. Acredito que os traficantes visam esse público, mas é mais para que consumam.

D.N- Em sua opinião quais tem sido os “atrativos” para que os jovens entrem para o mundo do crime?

J.J.C - Dinheiro fácil, falta de emprego, falta da presença do menor na escola. A evasão escolar no município é medonha. Os menores que são apreendidos aqui a grande maioria não vai à escola. Se tiver a 5° série é muito, alguns não sabem nem assinar o nome. O poder público tenta. É só olhar o que temos de faculdades aqui. Toda essa catástrofe tem acontecido mesmo por conta do desequilíbrio familiar. Aí vem essa lei, por exemplo, que não pode bater (lei da palmada), acredito que não seja bem assim. Outro grande problema a universalização dos smartphones. Hoje as adolescentes mandam fotografias delas nuas para o namorado. Aí ele coloca nos grupos, as mães das meninas ficam sabendo e vem aqui na delegacia. Isso é uma coisa muito complicada, uma menina de 12 anos, por exemplo, se expor assim? Eu acho que um celular para uma menina desta idade é um perigo. Os pais deveriam limitar mais isso. Hoje muitos pais querem suprir a ausência deles por trabalhos e compromissos dando presentes, celulares com tecnologias, se for assim tem que ter mais cuidado. Com um celular na mão é possível marcar um encontro, um crime, um furto, pegar droga, para tudo um celular na mão é uma grande ferramenta. Os pais devem se atentar a isso.

D.N- Temos visto a famosa ostentação dos adolescentes na rede social, até mesmo com drogas e armas. Como isso os influencia para o crime?

J.J.C - É o modismo. Um quer ser melhor que o outro, criou-se de certa forma uma rivalidade. Se um tira foto postando tal coisa, o outro que tirar com algo melhor, no grupo, no Facebook, assim por diante. E de onde vai sair se não se tem condições? Aí faz de tudo para impressionar, a tal da ostentação virou uma grande baderna.

A Unei deveria ser uma grande escola na minha opinião, onde os infratores aprendessem várias atividades. A música, por exemplo, seria uma coisa muito boa. A ideia deveria realmente ser socializar.

— Delegado José Jorge Cury

D.N - Qual seria a melhor forma de prevenção desta situação?

J.J.CEducação! Maior atenção dos pais com as crianças. Maior ajuste familiar. Percebe-se que os pais de hoje querem educar de uma maneira diferente do que foram educados. Talvez porque antigamente eram muito rígidos e aí ele se dedica com o filho dele mimando demais, e isso estraga. Hoje em dia ficou mais fácil se conseguir os bens materiais, aí os ensinamentos e as coisas espirituais estão sendo esquecidas. Lembrando que dar amor não é dar presente, é conversar, dar atenção. Mas hoje é tão difícil, o pai, por exemplo, trabalha o dia todo e a noite quer descansar. A mãe mesma realidade e ainda precisa a noite cuidar dos afazeres de casa, e essa “correria” moderna acaba por distanciar a família e o menor não tem estrutura, ele não sabe andar sozinho, precisa de cuidados e atenção, precisa de uma estrutura e isso está acabando, as famílias em sua maioria estão muitas “desarrumadas”.

D.N- Existe algum projeto em Dourados para trabalhar a prevenção dos adolescentes na criminalidade?

J.J.C - Específico não. Tem a Unei que é depois que o crime acontece e que busca não punir, mas sim ressocializar.

D.N- Colocá-los na Unei (Unidade Educacional de Internação) é eficaz para que não voltem a praticar crimes?

J.J.C - Ele é colocado na Unei por prática de um ato infracional e precisa ser pelo menos por um tempo restrito do convívio social. A intenção do Eca (Estatuto da Criança e do Adolescente) é ressocializar. Agora a porcentagem que consegue isso acho que ainda é pequena, mas a intenção é essa. A eficácia é relativa, depende de cada um, nem todos retornam para os crimes. A Unei deveria ser uma grande escola na minha opinião, onde os infratores aprendessem várias atividades. A música, por exemplo, seria uma coisa muito boa. A ideia deveria realmente ser socializar. Não adianta deixar que fiquem lá, fazendo “casinha” um para o outro, aí não adianta. Hoje em Dourados devem-se ter uns cinco mil mandatos de prisões em aberto. Cada preso tem custo para o Estado. A Unei, parece realmente uma prisão, com guarita, com guarda fechada. Aí o adolescente já entra naquele esquema de “jaula”. Isso tudo vai mexendo no psicológico, no meu entendimento tem que ser algo muito mais brando, com assistentes sociais ali próximas, para sentirem qual o problema desses adolescentes para poderem encaminhá-los de novo. Algum trabalho bom ali para ensiná-los uma religião, ensiná-los sobre mais respeito.

D.N Quanto a redução da maioridade penal, qual sua opinião?

J.J.C - Isso é ridículo. Absurdo. Seria colocar o menor no meio de bandidos, ele ficaria bandido mais cedo. Não adianta. O correto não é punir é educar. A punição é o ato final. O Brasil tem mais de 180 mil mandatos de prisão para serem cumpridos as cadeias estão lotadas, vai colocar uma “criança” de 16 anos lá dentro? Eu sou veemente contra e sou a favor que o Estado e a família abracem as crianças e traga a eles educação, o sentimento religioso, o verdadeiro sentimento da família.

D.N- Acredita que eles pensam que não cumprirão penas extensas pelos crimes e sejam motivados por isso?

J.J.C - A grande mídia nacional está ficando um “purgante”, né? Analisando isso em todo um contexto, porque hoje uma TV que não for paga é impossível de assistir. Você vai ligar a televisão e vê crime e mais crime. A imprensa indiretamente não sei por qual motivo, está massificando o crime. Olha essa pergunta.... Depende. Eu acho que a imprensa está vendendo essa imagem e isso tudo está criando no próprio menor que vê um pensamento de “poxa eu nem sabia que era assim”, aí vai virando... Então, voltando a pergunta, acho que isso é o que a imprensa prega. Depende do jeito que você tratar. Lógico que a pena é menor, lógico que tem a situação de outros dizerem aos menores “vai lá você que você não leva cana”, claro que existe, mas a pena foi feita para o menor. Quando a lei foi feita foi pensando no que o ECA fala, ou seja em ressocializar o menor e por isso ela é mais branda. Só que isso não está sendo feito. O menor é mais vulnerável. O pensamento dele, as ideias dele. Muitos se regeneram, não é 100% que fica perdido. Hoje eu ando muito descontente com a imprensa, mesmo a TV paga tem vendido a imagem do crime. Hoje o crime é que vende. Outra coisa, o modelo educacional brasileiro, tá na cara que não combina com o perfil do brasileiro. Acho que deveria ter uma grande revisão para a criança ter interesse na escola. Em minha opinião, as matérias precisam ser revistas. Mas, em sumo eu acho que os pais devem se aproximar mais das crianças, o modelo educacional deve conseguir trazer o menor para escola para ele ir à escola com prazer e não por obrigação. Essa uma ideia minha, deveria haver mudança de alguma forma. No meu tempo, professora mandava igual pai, hoje em dia se perdeu o respeito. Toda criminalidade tem exceção, mas no contexto geral, as crianças são todas dóceis, tem que educar, ensinar com carinho. Agora hoje tem situações tristes, professores não tem como dar aula, por exemplo, pois o aluno chega lá sem saber ao menos ler, aí tem que passar o aluno mesmo assim. Eu sugiro que na educação fosse estabelecida uma nova forma de ensino que chamasse a atenção do menor. Uma mudança radical. Professor deveria ser bem pago, deveria se ter assistentes sociais nas escolas para aproximar as famílias, para fazer um elo de ligação mas não é essa a realidade. O que tem é deputado, senador, aí tem bastante. A assistente social iria dar uma assistência, vai entender mais sobre as necessidades das crianças. As crianças não nascem infratoras elas se tornam infratores por isso a necessidade de assistência, de família par amar, reunir e conversar.

Para o delegado, a educação deveria ser revista, visanado una forma de ensino que chamasse a atenção do menor. (Foto: Gizele Almeida) Para o delegado, a educação deveria ser revista, visanado una forma de ensino que chamasse a atenção do menor. (Foto: Gizele Almeida)

D.N- Neste tempo em que está a frente da delegacia de menores, qual foi a situação que mais te chamou atenção?

J.J.C - Eu deleto. Não posso levar o que passo aqui para dentro de casa ou para qualquer lugar porque se não a gente fica maluco. Já vi de tudo. E posso dizer que as coisas que mais me marcaram foram atitudes dos pais, não dos menores. Tem certas atitudes paternas que já vi aqui que por mim, prendia era o pai. Um exemplo foi uma mãe que levou droga para filho na cadeia. Isso não foi a pior, mas sim a mais ridícula. E ela (a mãe) foi presa. São muitas situações horríveis.

D.N- Esses problemas que envolvem menores é apenas questão social ou existem outras coisas por trás?

J.J.C - Acho que é social mesmo.


COMENTÁRIOS